Blog do Mario Magalhaes

Por que Temer vai com tanta sede ao pote? Por não recear governo impopular

Mário Magalhães

Temer: ''mundo feminino'' sem vez no Ministério – Foto Adriano Machado/Reuters

 

Quinze dias antes de Michel Temer anunciar o nome dos seus ministros, o blog alertou para a possível ausência de mulheres (''Vice de presidente mulher, Temer escala clube do Bolinha para governar''). Mas cometeu um erro, anotando: ''É claro que, na última hora, se o impeachment prosperar, alguém alertará que pega mal o Ministério sem mulher''. Ignoro se o advertiram. O certo é que Temer montou o primeiro escalão exclusivamente masculino, em ato obscuro que não ocorria desde a década de 1970, na ditadura.

A entrevista de Temer ao ''Fantástico'' permitiu entender por que as coisas se passaram assim. O capo peemedebista disse: ''Não é a minha intenção [ser candidato]. Aliás, não é a minha intenção, e é a minha negativa. Eu estou negando a possibilidade de uma eventual reeleição, até porque isso me dá maior tranquilidade, eu não preciso praticar gestos ou atos conducentes a uma eventual reeleição. Eu posso ser até _digamos assim_ impopular, mas, desde que produza benefícios para o país, para mim é suficiente''.

Essa declaração é tão relevante quanto outra, que descortina a cabeça anacrônica de Temer: ''Para a Cultura eu quero trazer uma representante do mundo feminino. Para a Ciência e Tecnologia e Comunicações, quero trazer uma representante do mundo feminino''.

Em pleno século 21, o senhor hoje sentado na cadeira de presidente não fala ''mulher'', mas ''mundo feminino''. O veto a mulheres no Ministério autoriza especular que Temer identifica o governo, ao menos os mandachuvas, como prerrogativa do ''mundo masculino''.

Ao reconhecer que não receia a impopularidade, Michel Temer esclarece comportamento surpreendente mesmo para quem previa os retrocessos sociais ensaiados por sua administração. Vendido como político habilidoso por seus aduladores, Temer parece ir com muita sede ao pote. Prepara a retirada de direitos dos trabalhadores e dos mais pobres sem se assustar com a evidente oposição que sobrevirá. Está explicado: ele pode ''ser até impopular''.

Temer aparenta supor que reúne condições políticas para mimetizar Mauricio Macri, o presidente argentino que desenvolve uma política econômica ultraliberal. Existe, contudo, contraste escancarado entre os dois: o argentino foi legitimado pelo voto popular; o brasileiro, não _seus sufrágios foram para vice, e ele se tornou presidente ilegítimo, sem que a antecessora tivesse cometido crime.

O ''Globo'' nesta segunda informa que o novo governo prepara, a pedido do agronegócio, a revogação de atos derradeiros de Dilma Rousseff: desapropriação de terras para reforma agrária, criação de reservas indígenas… Quer mexer também no marco civil da internet.

Na ''Folha'', a repórter Mônica Bergamo escreve que Temer estuda criar fórmula para mudar critérios de reajuste nos benefícios da Previdência. Prejudicando, é evidente… precisa dizer quem?

Vem aí a CPMF, tão bombardeada pelo PMDB quando na oposição a Dilma.

E outros pacotes, revisando a CLT em favor dos patrões.

Tornando mais complicada a vida dos aposentados.

Privatizando os Correios e tudo o que for possível privatizar. À frente das transações, Moreira Franco. Aquele mesmo em cujo governo no Estado do Rio foram flagradas concorrências públicas armadas.

Outros gestos não são aguardados _já foram implementados.

Temer acabou com o Ministério da Cultura, o que o torna historicamente mais retrógrado que seu correligionário José Sarney.

Suprimiu as pastas que combatiam mazelas seculares, como desigualdade racial e violações dos direitos humanos.

Nomeou para a Justiça um ex-secretário de Segurança que chefiou polícia intolerante e violenta com quem protesta.

Para o Gabinete de Segurança Institucional, convocou um general-de-exército saudosista da ditadura.

Escalou para a Indústria um político que nada sabe sobre o setor industrial.

O Ministério é tomado por investigados ou candidatos a serem investigados pela Operação Lava Jato. A mesma condição de Temer.

O ''Ministério de notáveis'' era mais uma cascata da coalização que chegou ao poder.

Para órgão de fiscalização e controle, vai amigo de amigo do PMDB, o que dispensa explicações.

Seria ingenuidade considerar que Temer não gostaria de ser imensamente popular e se submeter às urnas em 2018 _hoje ele tem 2% de intenção de voto.

Mas suas atitudes referendam o discurso. Temer minimiza a repercussão popular do que faz.

Pega mal excluir mulheres? ''E daí?''

Conta com a máquina de propaganda que contribuiu decisivamente para sua ascensão.

Indica que suas preocupações se concentram no Congresso, e não nas ruas.

Como se, do lado de fora dos palácios e plenários, a história tivesse terminado.

Não terminou.

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