Quem iguala torturador e torturado é conivente com Ustra e Bolsonaro
Mário Magalhães
Carlos Alberto Brilhante Ustra (1932-2015), oficial do Exército Brasileiro, comandou o maior campo de concentração urbano da ditadura que vigorou de 1964 a 1985.
De 1970 a 1974, Ustra esteve à frente do DOI (Destacamento de Operações de Informações) do II Exército, em São Paulo.
Ustra e seus agentes torturavam, matavam e sumiam com opositores da ditadura que estavam sob custódia do Estado. Nem as leis de exceção vigentes à época autorizavam tais crimes contra a humanidade.
Numa síntese do que ocorria naquelas instalações públicas, chegavam a torturar seres humanos até que miolos se desprendessem do cérebro. A novos torturados, anunciavam o que lhes esperava apontando a parede com fragmentos do corpo do morto da véspera.
A despeito da impunidade que se mantém para facínoras que barbarizaram ao lado de Ustra, o antigo verdugo foi declarado torturador pela Justiça. Morreu em 2015, na condição de coronel reformado, incensado por velhos comparsas de carnificina.
Foi este torturador e assassino que o deputado Jair Bolsonaro reverenciou ao votar a favor do impeachment da presidente Dilma Rousseff.
Fez evidente apologia da tortura, por meio da celebração de um criminoso.
Ecoa a velha declaração de Bolsonaro, ex-capitão do Exército: ''Eu até sou favorável, na CPI, no caso do Chico Lopes, que tivesse pau-de-arara lá. Ele merecia isso, pau-de-arara. Funciona. Eu sou favorável à tortura''.
Como sempre, certo pensamento nazistoide endossa sem constrangimento a bênção de Bolsonaro ao torturador Ustra. Isso é grave e previsível.
É também grave certo discurso pretensamente equilibrado que iguala a figura de Ustra a quem, sem nunca ter torturado ou defendido a tortura, foi submetido a suplício por forças militares ou policiais.
Considerar iguais quem torturou e quem foi torturado constitui conivência com o torturador.
O torturador comete crime; o torturado, não.
O torturador costuma ser agente do Estado; o torturado, não.
O torturador detém o poder; o torturado, não.
Por mais que se reprove ou mesmo odeie o torturado, a tortura é inaceitável e configura crime contra os direitos humanos.
Por que o presente nos verbos acima? Porque a tortura permanece largamente empregada no Brasil, contra suspeitos de crimes comuns, na maioria jovens, pobres e negros.
Voltando aos tempos da ditadura e da tortura a presos políticos: quem diz que o torturado estava errado como o torturador minimiza a tortura.
Mais do que isso, justifica-a.
Vira sócio da barbárie, por mais que o malabarismo verbal tente disfarçar a adesão à crueldade covarde e criminosa.