Blog do Mario Magalhaes

O golpe de 2016

Mário Magalhães

Recife, março de 2016 – Foto Marlon Costa/Futura Press/Estadão Conteúdo

 

Os brasileiros que viveram o período de 1937 a 1945 se referiam ao dito Estado Novo ao falar ''a ditadura''. Mesmo mais tarde, quando evocavam ''a época da ditadura''. Estavam certos. O presidente Getulio Vargas era mesmo um ditador.

Com o regime liberticida que vigorou de 1964 a 1985, a expressão ''a ditadura'' tomou novo sentido. Quando a ouvimos, ainda agora, entendemos que trata da longa noite inaugurada com a deposição do presidente João Goulart.

É a história que vai moldando o léxico que a conta.

Hoje recapitulamos os atos institucionais da ditadura pós-1964 com numeração. O AI-5, de dezembro de 1968, garroteou ainda mais as liberdades. Por um ano e meio, no entanto, só se dizia ''o Ato Institucional'', porque só existia o de abril de 1964. Este só virou ''número 1'' quando sobreveio a edição do segundo, em outubro de 1965, liquidando a eleição direta para presidente da República.

O que não falta na história republicana nacional são golpes de Estado. O pessoal que assistiu a Getulio fechar o Congresso, asfixiar a Justiça, exterminar os partidos, aplicar a censura e expandir a repressão política dizia que o marco inaugural dessas medidas foi ''o golpe''. ''O golpe'' equivalia à quebra da ordem constitucional ocorrida em novembro de 1937.

Nos anos 2000, menção a golpe do século anterior, sem identificação de data, supõe que citamos o de 1964. Para lembrar o movimento que instituiu o Estado Novo precisamos dizer ''o golpe de 1937''.

''Eu vejo o futuro repetir o passado'', cantava o Cazuza. Por isso este passeio pelos velhos tempos.

Caso venham a prevalecer a derrubada de Dilma Rousseff e a promoção de Michel Temer ao Planalto, não haverá mais uma ditadura.

Embora Temer, na hipótese de sua conspiração triunfar, vá ser um presidente ilegítimo, porque ungido por ato antidemocrático.

O impeachment está corretamente previsto na Constituição. Para honrá-la, a condição é haver crime de responsabilidade do acusado. Dilma não praticou tal crime. As ditas pedaladas fiscais não passam de manobras contábeis que não configuram apropriação de recursos públicos. Governantes de todos os maiores partidos pedalaram, sem punição. Impeachment de inocente merece outro nome, golpe. Na democracia, presidente se elege na urna. Dilma colheu 54.501.118 sufrágios em 2014, conquistando mandato de quatro anos.

Se a presidente for deposta, precisaremos acrescentar nova expressão para narrar a tumultuada trajetória do derradeiro país a abolir a escravidão: ''o golpe de 2016''.

''O tempo não para'', emendava o Cazuza.

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