No Brasil, não chamam golpe de golpe. Vira ‘contragolpe’, ‘impeachment’…
Mário Magalhães
Palavras são navalhas, poetou o Belchior. Não se pode cantar como convém sem querer ferir ninguém.
Certa historiografia suprime, substitui, amansa, anestesia as palavras.
No Brasil, protagonistas e partidários de golpes de Estado quase sempre se recusaram a chamar as coisas pelo nome.
O que houve em 1889? A proclamação da República. E ela decorreu de quê? De um golpe de Estado tantas vezes omitido ou minimizado nos livros escolares.
A Revolução de 1930 foi o quê? Um golpe que depôs um presidente e impediu a posse do sucessor vitorioso em eleição.
O golpe de Estado de 1937 era denominado pelo eufemismo ''movimento''.
Instaurou o dito ''Estado Novo'', expressão matreira para ocultar o que foi o regime ditatorial 1937-1945.
O ex-ditador Getulio Vargas voltaria ao Palácio do Catete em 1951 graças ao voto popular.
Na madrugada de 24 de agosto de 1954, não foi sacramentada somente uma ''licença'' do presidente. Ocorreu um golpe de Estado, freado mais tarde pelo suicídio.
Quando uma ampla coalização militar e civil derrubou o presidente constitucional João Goulart, em 1964, muita gente não falou em golpe, que é o que houve.
Batizaram a deposição como ''movimento'', ''contragolpe'', ''Revolução'' _assim mesmo, com maiúscula.
''Revolução'' foi também como os golpistas nomearam a ditadura que se estendeu até 1985.
Os golpistas se autoproclamaram ''democratas''.
''Impeachment'' também pode ser uma forma de não empregar o nome correto, golpe de Estado. Mas nem sempre.
Quando há prova de que o governante feriu a Constituição, não há golpe, e sim o cumprimento escrupuloso da lei. Foi o que ocorreu com o legal e legítimo cartão vermelho de 1992 para Fernando Collor.
Se inexiste prova de crime cometido por presidente, o impeachment é, sim, golpe de Estado. Como tentam agora contra Dilma Rousseff.