Luiz Bernardo Pericás lança hoje biografia política de Caio Prado Júnior
Mário Magalhães
Rigoroso resenhista, o jornalista Mauricio Puls avaliou com cotação máxima ''Caio Prado Júnior: Uma biografia política'' (a crítica de Puls, publicada na ''Folha'', está reproduzida abaixo).
O livro do historiador Luiz Bernardo Pericás, editado pela Boitempo e considerado ótimo por Mauricio Puls, será lançado hoje à noite em São Paulo.
A partir das 18h30, na Livraria da Vila (alameda Lorena, 1731).
Caio Prado Júnior (1907-1990) é um dos maiores historiadores brasileiros. É impossível entender o Brasil ignorando-o, ainda que se possa divergir dele.
Aristocrático, Caio foi alvo do ódio e do ressentimento de sua classe por ter se tornado comunista.
No PCB, era uma inteligência fulgurante, mas o partido desprezou-o com intensidades que variaram.
A direção comunista rejeitava uma ideia central de Caio: a despeito de ritmos diferentes e contradições, o país já era capitalista a dada altura do século 20. O PCB insistia em afirmar que o Brasil permanecia feudal.
Não estou em São Paulo, não poderei ir ao lançamento. Mas devorarei aqui no Rio o livro de Pericás.
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Biografia expõe Caio Prado Júnior, historiador que explicou o país
Por Mauricio Puls, ''Folha de S. Paulo'', 2.mar.2016
Por que o Brasil é assim?
Desde o século 19, muitos intelectuais reclamam da incompatibilidade entre as instituições do país, copiadas de modelos estrangeiros, e uma sociedade que sempre extravasa esses moldes.
Mas foi só em 1942, quando Caio Prado Júnior (1907-1990) publicou ''Formação do Brasil Contemporâneo'', que tal desajuste recebeu uma explicação convincente: o país é assim porque foi estruturado, desde a colônia, para satisfazer necessidades externas, e não para atender suas demandas internas.
Daí a sensação de vivermos num país de fachada.
Em ''Caio Prado Júnior – Uma Biografia Política'', o historiador Luiz Bernardo Pericás expõe com um estilo rigoroso e cativante a trajetória do pensador que lutou uma vida inteira para que o Brasil superasse seu complexo de inferioridade.
Integrante da elite paulistana, Caio penou muito após entrar no PCB: os parentes se afastaram, sua filha foi apedrejada na rua, cruzes em chamas eram atiradas no jardim de sua casa. Passou vários anos na prisão, nunca o deixaram lecionar na USP, teve a gráfica incendiada.
E a militância no PCB tampouco era aprazível: os dirigentes não o consideravam um ''bom marxista'' e só o visitavam para pedir dinheiro.
Defensor da liberdade de pensamento, suas obras eram vistas com desconfiança: Luiz Carlos Prestes disse que ''Formação do Brasil Contemporâneo'' era anticientífica, ''Dialética do Conhecimento'' foi condenada pelo Comitê Central e sua ''Revista Brasiliense'' foi estigmatizada como ''nacional-reformista''.
O PCB nunca aceitou sua tese de que o Brasil não era ''feudal'' e que, portanto, a estratégia política do partido não fazia sentido.
O diagnóstico de Caio Prado Júnior só seria plenamente compreendido depois que a aposta do PCB numa ''burguesia nacional progressista'' levou ao desastre de 1964.
Em 1966, publicou ''A Revolução Brasileira'', na qual criticou duramente tais equívocos. O livro deu-lhe o prêmio de ''Intelectual do Ano'' e teve enorme repercussão.
Mesmo rejeitado pela academia e marginalizado no partido, Prado Júnior deixou marcas profundas na historiografia nacional.
Em seu primeiro grande livro, ''Evolução Política do Brasil'' (1933), ''as classes emergem pela primeira vez nos horizontes de explicação da realidade social brasileira como categoria analítica'', escreveu Carlos Guilherme Mota.
Mas foi em ''Formação do Brasil Contemporâneo'' que ele formulou o arcabouço que inspiraria toda uma corrente teórica. Em 1999, um júri de intelectuais consultados pela Folha incluiu o livro entre os cinco principais ensaios de interpretação do Brasil, ao lado de clássicos de Gilberto Freyre, Sergio Buarque de Holanda, Euclides da Cunha e Antonio Candido.
Grande admirador de sua obra, Celso Furtado disse certa vez que Caio Prado não teve a projeção internacional que merecia.
Segundo ele, Caio deveria ter passado mais tempo na Europa, colaborando com os estudos sobre o Brasil, para se tornar mais conhecido.
Apesar disso, seu nome não era ignorado: suas obras foram traduzidas para o inglês, espanhol, italiano, japonês e russo.
Fernand Braudel resenhou ''Evolução Política do Brasil'' para os ''Annales'', em 1948, e Arnold Toynbee o visitou no Brasil, em 1966.
Quando foi preso pela ditadura militar, em 1970, os historiadores Stanley Stein, Thomas Skidmore, Warren Dean, Richard Morse e Joseph Love se mobilizaram nos EUA para tentar libertá-lo.