Blog do Mario Magalhaes

Dia seguinte à Olimpíada assombra o Rio

Mário Magalhães

Em janeiro, protesto de demitidos após conclusão de obra para os Jogos – Ricardo Borges/Folhapress

 

Se a realidade obedecesse ao script oficial e às esperanças de gente ingênua como eu, o Rio estaria vivendo dias alvissareiros a quatro meses da Olimpíada.

Boa parte das obras para os Jogos está bem encaminhada, com um ou outro atraso preocupante, como no velódromo. O que vai mal é a cidade, ao menos na comparação com o Rio que as autoridades prometiam. A cidade, suas redondezas, o Estado.

A recessão no Brasil tem impacto profundo também aqui, mas não explica tudo. As administrações Sérgio Cabral-Luiz Fernando Pezão e Pezão-Francisco Dornelles quebraram o Estado. Cabral e Pezão são correligionários do prefeito Eduardo Paes e do candidato do PMDB à sucessão municipal, o secretário Pedro Paulo. E também de Eduardo Cunha e dos deputados Picciani. O Estado oficializou meses atrás o atraso permanente no pagamento do funcionalismo. Com o corte orçamentário, o sistema de saúde agoniza. Pacientes são mal (ou não são) atendidos, denúncias de descaso se acumulam. Com prestadores privados de serviços sem receber, as instituições de ensino carecem de segurança, limpeza e muito mais. O pessoal da educação foi à luta e parou, como o apoio dos alunos, que ocupam escolas. Há estimativa de que as aulas se prolonguem até janeiro, castigando os estudantes que farão o Enem. Os professores e funcionários da Uerj declararam greve, como (ao menos) os docentes da Uenf a partir de hoje. Servidores de um sem-número de categorias anunciam greve geral na quinta-feira. O Rio pode parar.

A prefeitura e o concessionário atrasaram a implantação do sistema de veículo leve sobre trilhos e não entregarão o circuito prometido (somente trechos dele) a tempo da Olimpíada. Idem o Estado com a linha 4 do metrô. A estação da Gávea ficou, em mais um prazo espichado, para 2018. A linha 4 começará a operar sem ligação com a linha 1, cuja estação General Osório se localiza em Ipanema, como a estação Nossa Senhora da Paz do novo roteiro. Nos Jogos, a linha 4, rumo à Barra, admitirá número reduzido de passageiros, e não o alardeado há anos. Enquanto agosto não chega, taxistas infernizam o trânsito em manifestações contra o Uber.

Os Jogos permitiram ao Rio padecer menos com o desemprego, que avança mais no resto do país. Com a proximidade da cerimônia de abertura, até 35 mil operários da construção civil devem perder seus postos. Eles ergueram instalações esportivas ou edificações vinculadas ao calendário olímpico. Enquanto a competição durar, milhares de cariocas preencherão vagas de trabalho temporário, sobretudo no comércio e na hotelaria. Depois da cerimônia de encerramento, serão dispensados. Na sexta-feira, o Museu do Amanhã fechou as portas, porque lá se manifestavam dezenas de trabalhadores demitidos da Reduc. Já está difícil, mas o que assombra é o 22 de agosto, dia seguinte à Olimpíada.

Se _se, repito_ for mantida a tradição dos eventos gigantescos no Rio, com ocupação urbana pelas Forças Armadas, deve correr tudo bem com a segurança nas jornadas olímpicas. Quem já está se dando mal são os moradores. As verbas para a segurança pública são diminuídas sem dó. Os tiroteios voltaram a ser ouvidos onde pareciam ter se tornado coisa do passado. Com menos dinheiro, rebaixa-se ainda mais a formação dos policiais _os cidadãos pagam por isso, tornando-se alvos e vítimas de ações repressivas que não protegem as pessoas que deveriam ser protegidas. São elas que bancam o Estado. A crônica de mortes deprime. Um menino de quatro anos, na segunda-feira, e uma menina de cinco, no sábado. Ambos alvejados por ''bala perdida'', expressão marota que oculta e dilui responsabilidades pelos crimes.

É possível que o Rio pós-olímpico seja melhor do que o pré, como as prováveis melhorias no transporte público indicam. Mas o balanço só será possível quando se conhecer a situação das finanças municipais. E se souber que destino tiveram os moradores expulsos de suas casas em nome de questionáveis prioridades ''esportivas''. A Olimpíada não deixará de ser, contudo, uma oportunidade desperdiçada. O dinheiro gasto até hoje na despoluição da baía de Guanabara é tão obsceno quanto a sujeirada ali acumulada. Os Jogos eram a chance de avançar, e mais uma vez ficamos (ficaram) na promessa.

Dá medo pensar no que será do Rio em seguida à Olimpíada, já sem as verbas que o salvaram para evitar um vexame mundial.

Talvez as aparências se salvem um pouco até a eleição de outubro, para não comprometer o candidato do prefeito e do governador (Pezão está de licença, Dornelles é o interino).

A partir daí, que São Sebastião nos proteja.

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