Blog do Mario Magalhaes

Getulio, Jango ou Dilma: que presidente da República fez este discurso?

Mário Magalhães

Campanha da Legalidade, Porto Alegre, 1961 – Foto Assis Hoffmann/Divulgação

 

Tudo é história.

Eis um trecho do discurso:

''As minhas preocupações com o bem público não me deixam fugir ao dever, onde quer que tenha de ser cumprido. E eu o cumprirei até o fim.

Espalhando o germe da discórdia, procurando subverter a força e o prestígio da autoridade, falseando os fatos e fantasiando as intenções, há um propósito de gerar a confusão pela mentira, para levar o país à desordem, ao caos e à anarquia. Para o bem da nossa pátria, podemos confiar nas reações saudáveis da opinião pública […].

Empenharei a autoridade e a honra do governo para que a ordem seja mantida, as garantias asseguradas e as próximas eleições realizadas num clima de ordem e tranquilidade. As injúrias que me lançam, as pedras que me atiram, […] a mentira e a calúnia não conseguirão abater o meu ânimo, perturbar a minha serenidade, nem me afastar dos princípios de amor e humildade cristã por que norteio a minha vida e que me fazem esquecer os agravos e perdoar as injustiças. Por outro lado, não terei condescendência para aqueles que se fazem agentes do crime ou instrumentos da corrupção.

No governo, represento o princípio da legalidade constitucional, que me cabe preservar. Dela não me separarei, e advirto aos eternos fomentadores da provocação e da desordem que saberei resistir a todas e quaisquer tentativas de perturbação da paz e da tranquilidade públicas.''

*

O presidente constitucional Getulio Vargas sofreu um golpe de Estado, na forma de ''licença'', na madrugada de 24 de agosto de 1954. Horas depois se matou.

O presidente constitucional João Goulart foi deposto em 1º de abril de 1964 por ampla coalização que congregou das Forças Armadas ao Supremo Tribunal Federal, da Fiesp aos capi do Congresso, da OAB à CNBB.

A presidente constitucional Dilma Rousseff, sem ter sido indiciada (declarada suspeita pela polícia), denunciada (acusada pelo Ministério Público) e condenada (pela Justiça) por crime algum, está acossada por uma aliança poderosa que pretende derrubá-la por meio de impeachment. Entre os candidatos a algozes perfilam centenas de acusados de crimes, a começar pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha.

Quem pronunciou o discurso reproduzido no alto do post?

Quem falou de gente ''falseando os fatos e fantasiando as intenções'', com o ''propósito de gerar a confusão pela mentira, para levar o país à desordem, ao caos e à anarquia''?

Poderia ter sido Getulio. Acusaram-no de ter mandado matar o jornalista Carlos Lacerda, no atentado de 5 de agosto de 1954 em que foi assassinado o major-aviador Rubens Vaz. Não havia prova. Nem haveria como, pois ele era inocente (no fim da vida, Lacerda reconheceu que Getulio não participou do plano sinistro arquitetado pela guarda presidencial).

Poderia ter sido Jango. Dos muitos pretextos para o golpe contra ele estava a corrupção. Seus adversários alegavam que seria não somente permitida como praticada pelo presidente. Já na ditadura que implantaram, os golpistas escarafuncharam a vida do governante afastado. E nada encontraram de reprovável em suas condutas.

Poderia ter sido Dilma. Ela é chamada de ladra por detratores como um ator que assim a denominou em cena. Mas no processo de impeachment que tramita no Congresso inexiste acusação de que a presidente tenha roubado ou participado de bandalheira. Culpam-na pelas tais pedaladas fiscais, artifícios contábeis que não constituem gatunagem.

Getulio, ex-ditador, era presidente em 1954 graças ao voto popular que o consagrara em 1950.

Jango havia sido reeleito vice nas urnas, em 1960 (a eleição do vice era feita em cédula separada da dos postulantes ao Planalto). Na renúncia de Jânio Quadros, em 1961, foi derrotado o golpe que buscava impedir Goulart de assumir a Presidência (a Campanha da Legalidade é documentada na foto ao alto). Em 1963, Jango foi aclamado pelos eleitores em plebiscito: ao preferirem o sistema presidencialista, restituíram-lhe poderes que haviam sido subtraídos por um arremedo de parlamentarismo estabelecido em 1961.

Dilma se reelegeu em 2014 com 54.501.118 sufrágios. Não é nem acusada de crime.

Como já escrito aqui no blog, o voto popular é uma instituição frágil.

O segundo governo Dilma é pior que o de Jango? É.

Muito pior que a derradeira administração Getulio Vargas? Sim.

Mas na democracia presidente se escolhe pelo voto dos cidadãos, e não por pesquisa de opinião.

Para afastar um governante, é preciso ter prova de crime cometido _em 1992 havia, contra Fernando Collor.

Em tempo: o discurso foi pronunciado por Getulio Vargas, em 12 de agosto de 1954. Encontrei-o em livro de Hélio Silva, ''1954: Um tiro no coração''.

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