Blog do Mario Magalhaes

Tudo é história: STF deu cobertura ‘constitucional’ ao golpe em 1964

Mário Magalhães

Exilado no Uruguai, Jango é fotografado por dona Maria Thereza – Foto Arquivo Pessoal

 

O reconhecimento dos Poderes constitucionais mantém e valoriza a democracia.

Como hoje, ontem e amanhã.

O que não equivale a reverência acrítica diante de pronunciamentos de integrantes de Poderes, inclusive o Judiciário.

Nos últimos tempos, em que alguns magistrados parecem preferir holofotes aos autos, muita gente diz encantada ''o ministro Fulano falou isso'', ''o ministro Beltrano ensinou aquilo''.

São opiniões dos ministros, não a revelação de verdades divinas.

Pertencer ao Supremo Tribunal Federal não garante sabedoria, nem justeza.

Idem o restante da Justiça e o conjunto do Executivo e do Legislativo, como observaria o Conselheiro Acácio.

O STF deve ser protegido e prestigiado como tribunal da democracia.

E garantir que a democracia prevaleça.

Nem sempre foi assim, como ensinam 1964 e 1936.

Em 1964, Alvaro Moutinho Ribeiro da Costa presidia o STF.

Nessa condição, o ministro participou e deu cobertura ao golpe de Estado que depôs o presidente constitucional João Goulart.

Entre as 3 e as 4 horas da madrugada de 2 de abril daquele ano, Ribeiro da Costa presenciou e deu a bênção ''constitucional'' à posse do deputado Ranieri Mazzilli na Presidência da República.

A Presidência havia sido declarada vaga, e os golpistas anunciavam que Goulart deixara o país. Mentira: ele voava ou desembarcara havia pouco em Porto Alegre.

A posse de fancaria, no batismo da ditadura, ocorreu no gabinete presidencial do Palácio do Planalto.

Quando os golpistas chegaram , para consagrar presidente provisório o capo da Câmara, os garçons dormiam na entrada do gabinete. Estirados em sofás, sem gravata, sem paletó.

Um deputado golpista berrou, ao vê-los:

''Está aí o presidente da República! Componham-se!''

Devem ter pensado que era Jango, quando viram Mazzilli, que dias depois cedeu o cargo ao marechal Castello Branco.

No dia seguinte, Ribeiro da Costa declarou: ''O desafio feito à democracia foi respondido vigorosamente. Sua recuperação tornou-se legítima através do movimento realizado pelas Forças Armadas, já estando restabelecido o poder de governo pela forma constitucional''.

Os golpistas rasgavam a Constituição vigente, de 1946, e o presidente do STF trombeteava que a deposição de João Goulart era constitucional.

(Como a vida não é feita somente de Ribeiros da Costa, nos anos vindouros muitos ministros do STF demonstraram dignidade e convicção democrática. Tiveram atribuições manietadas, receberam cartão vermelho. Honraram a Justiça, ao contrário dos colegas submissos à ditadura.)

Outro episódio do qual o STF não tem motivo para se orgulhar é a deportação de Olga Benario para a Alemanha nazista, em 1936.

Alemã, judia, comunista, procurada em seu país, Olga estava grávida. Foi entregue pelo Brasil à Gestapo.

Quem a entregou: o STF, em tabelinha com Getulio Vargas, que dali a um ano cancelaria as eleições e instauraria a ditadura do Estado Novo.

Por maioria, mesmo sabendo da gravidez de Olga, o tribunal recusou habeas corpus e a expulsou. Motivo:  ''[…] é estrangeira e a sua permanência no país compromete a segurança nacional''.

Olga Benario foi morta em 1942, na câmara de gás do campo de Bernburg. Tinha 34 anos.

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