Planilha da Odebrecht escancara promiscuidade sem pudor que sabota o Brasil
Mário Magalhães
Já se contam às três centenas os políticos de 24 partidos mencionados nas planilhas da Odebrecht apreendidas na mal denominada Operação Acarajé, capítulo relevante da Lava Jato.
É certo que a relação contém desde quem recebeu ditas doações da empreiteira, e as consignou em prestações de contas na Justiça eleitoral, até quem omitiu o dinheiro embolsado.
Há casos de procedimento legal e outros de ação criminosa. Nesta hipótese, com corrupto e corruptor passíveis de identificação.
Uma coisa é a contribuição oficial para campanha. Outra, propina.
Caberá à polícia, ao Ministério Público e à Justiça investigar e decidir o que foi o quê. Com pleno, espera-se, direito de defesa.
Feita a ressalva, o mais significativo da papelada descoberta em posse de executivo da Odebrecht é a amplitude da influência da empresa no Brasil.
Vai de agremiação da extrema-direita à extrema-esquerda, a considerar os discursos de palanque.
Como não existe almoço de graça, é evidente que a construtora esperava ou recebeu algo em troca.
Não há ''doação'' eleitoral, e sim investimento. Para colher retornos como facilidades em licitações.
A propina aumenta o valor real da empreitada. O recurso público que seria empregado em escolas, hospitais, ciência etc. acaba repartido entre quem ganhou mais do que deveria e quem levou uns trocados ou uma dinheirama para permitir a bandalheira.
Trata-se de tabelinha que fere o interesse dos cidadãos, sobretudo os mais pobres.
Dá para entender agora por que tanta gente se opôs ao fim do financiamento privado de campanha?
Sua extinção não basta. É preciso tornar mais rigorosos os controles para inibir o caixa dois e outras modalidades de propinoduto.
É possível admitir que a Odebrecht fez ''doação'' motivada pelo interesse público?
Ou por bondade? Ora, como ensina a sabedoria popular, empreiteiros e banqueiros não sofrem de males cardíacos. Porque não têm coração.
Quando o servidor público recebe propina, o crime é claro.
Mas e os honestos que acham natural pedir dinheiro a empresa que mantém contratos com o Estado?
Qual será a disposição de um parlamentar ou gestor público para escrutinar a atividade da Odebrecht, se cultivam camaradagem com a empresa?
Se há cinco empreiteiras que merecem investigação, qual será a última que um prefeito ou governador submeterá a apuração? A que lhe ofertou uns caraminguás, provavelmente.
Essa promiscuidade de caráter público-privado é despudorada, sabota o Brasil, maltrata os brasileiros. O Estado, nestas bandas, serve mais ao interesse privado que ao público.
A lista da Odebrecht expõe muitos pregadores da moralidade.
Podem ter feito tudo de modo legal.
Mas aceitam e renovam a convivência com um modelo que eterniza a obscena desigualdade social no país.