Blog do Mario Magalhaes

Há 20 anos: a morte dos Mamonas, o assassinato do Philot e o golaço do Beto

Mário Magalhães

Disco de 1995 – Foto reprodução

O fotógrafo Anibal Philot – Foto Luiz Bettencourt

Beto, meia bom de bola – Reprodução TV

 

Nas horas que antecederam a final do Torneio Pré-Olímpico de 1996, do que menos se falava nas rodas de conversas de jornalistas brasileiros era de futebol. Brasil e Argentina disputariam o título naquela noite de 6 de março, uma quarta-feira de verão. Mas nossas cabeças não estavam no estádio de Mar del Plata. Tinham voltado para casa.

Quase à meia-noite do sábado, o jatinho em que viajavam os Mamonas Assassinas despencara na serra da Cantareira. Dinho, Júlio, Samuel, Sérgio e Bento morreram. O primeiro disco de estúdio da banda não completara nem um ano. Seria o único. Ninguém queria saber de seleção. O país se comovia na despedida dos passageiros da Brasília amarela.

Para alguns de nós, havia outra tristeza, mais próxima. Na véspera, haviam anunciado que um corpo encontrado no Rio era o do Anibal Philot. Muito se chutou sobre o que se passara com o fotógrafo do “Globo”. Consta que mais tarde concluíram que ele foi vítima de latrocínio.

Dos Mamonas, a lembrança mais doída é a da minha filha chorando ao telefone. Do Philot, um banquete à beira do Mediterrâneo, onde saboreamos a legítima paella valenciana em companhia do Sebastião Reis e do Marcos Penido. Em seguida, fomos cobrir um treino da seleção no campo do Valencia. O vinho branco do almoço estava tão bom e farto que eu fui trabalhar mais pra lá do que pra cá.

Com todo o baixo-astral das notícias distantes, tínhamos que cuidar do trabalho, na Argentina. Os anfitriões atropelavam, vencendo por dois a zero no segundo tempo. Menos mal que ambos os finalistas tinham vaga assegurada nos Jogos de Atlanta, quando a Nigéria jantaria um e outro.

Não bastasse o revés na cancha, eu me zangava com os gritos da torcida: “Siga, siga, siga; siga o baile no compasso do tamborim; que nesta noite nós fodemos os negros do Brasil”. Manifestação racista, como xingar de “macaquitos”.

Poucas vezes torci tanto, por mais que afetasse um resto de sobriedade, como recomenda a tribuna de imprensa. Aos 25 minutos, o Sávio empatou, dois a dois. Com melhor saldo, a igualdade nos deu o caneco. Não foi, porém, o gol do atacante rubro-negro o que eu mais festejei.

Mas o nosso primeiro, dois minutos antes. Seu autor, o Beto, é negro. Beto não de Roberto ou Alberto. De Joubert. Cuiabano, havia ido para o Botafogo em troca de cinquenta pares de chuteiras. Menino pobre, ralou como empacotador de supermercado e vendedor de picolé. Não era um craque, mas estava longe de ser perna-de-pau. Lutava com disposição de gladiador, a despeito do seu apreço pelas madrugadas, devoção que o consagrou com o apelido imortal de Beto Cachaça.

O Beto, que é destro, acertou com a canhota um tirambaço de fora da área. Acho que nunca mais repetiu tal façanha. A equipe argentina era boa, contava com um lateral chamado Sorín, de 19 anos. O Beto tinha 21. Com seu sorriso rasgado, até bocejando aparentava ter acabado de fazer um gol. Como aquele de Mar del Plata.

Sua carreira no meio-campo da seleção foi menos longeva do que poderia. Mas não tão fugaz como a dos Mamonas. Embora os guris de Guarulhos estejam aí até hoje, também no futebol. A melodia de Pelados em Santos é cantada nos estádios. Vale “o Gigante me espera”, “o Maraca é nosso” e o que mais chegar. Com Mamonas no gogó, é certeza: vai começar a festa.

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