‘É muito mais difícil ser grande leitor e grande escritor no século 21’
Mário Magalhães
Como não acompanho a produção acadêmica sobre criação literária do século 21, desconheço eventuais pesquisas sobre o impacto do computador na escrita.
A impressão é que a prosa tende a ser mais limpinha, isenta das cicatrizes que as intempéries deixam na criação.
É mais fácil escrever, reescrever, reescrever indefinidamente, até encontrar a forma considerada decente pelos autores.
Ganha-se, se a narrativa limpinha é o que se busca, e perde-se, quando a tentação de se livrar da sujeira descaracteriza o texto que seria melhor com impurezas como a repetição proposital ou não de palavras.
Estive pensando nisso ao ler uma entrevista do escritor português Gonçalo M. Tavares, nascido em Luanda, ao ''El País''.
Ele não falou de programas de edição e estética literária, mas do isolamento que necessita para escrever.
Gonçalo, que está fora do Facebook, tranca-se num ''bunker'' sem celular e internet: ''É muito mais difícil ser um grande leitor e um grande escritor no século 21. Eu tento resistir. Não tenho nada, só um e-mail com resposta automática que diz: 'Peço desculpas, mas nas próximas semanas não poderei responder (ri). É um sistema de defesa. Porque não sei como é possível estar escrevendo e vendo a internet''.
Em literatura, a internet é mais inimiga que amiga, inclusive dos autores de não ficção.
Nunca inventaram algo tão dispersivo. E poucas coisas são tão daninhas a um escritor quanto a dispersão.