Banheiro feminino: composição de Câmara e Senado em 1946 era 100% masculina
Mário Magalhães
A qualidade deplorável de boa parte dos congressistas brasileiros volta e meia dá a impressão, certa ou errada, de que nunca o nível de deputados e senadores foi tão indigente, que jamais a representação parlamentar se descolou tanto dos interesses nacionais, sobretudo os do povo mais pobre.
Mas aí a gente olha para trás e descobre aberrações como a inexistência de uma só mulher no Senado e na Câmara em 1946.
No país maltratado por desigualdades, então com muito mais miséria e pobreza do que hoje, o machódromo no Congresso expressava alarmantes condições desiguais de gênero.
As mulheres padeciam desde covardias como, contra as operárias, o limite esdrúxulo de pouquíssimos minutos para ir ao banheiro em fábricas _o estouro do tempo enxuto rendia punições, inclusive demissão. Não duvido que tal expediente ainda ocorra.
Nos palácios Tiradentes, sede da Câmara, e Monroe, do Senado, ambos aqui no Rio, as brasileiras dependiam de homens para defender no plenário bandeiras mais caras a elas do que a eles.
De fevereiro a setembro de 1946, os deputados federais e senadores eleitos em 2 de dezembro de 1945 _fez 70 anos outro dia_ se reuniram em Constituinte unicameral que sepultou a legislação liberticida da ditadura do Estado Novo (1937-1945).
Em seguida, reinstalaram as Casas, Câmara e Senado, que Getulio Vargas e os militares haviam fechado no golpe de 1937.
Reabriram sem uma só mulher a representar as mulheres, que tinham direito a voto, a ser votadas, mas não eram eleitas em virtude de sistema e pressões que erguiam um muro intransponível.
Dá para dizer que o Congresso era melhor naquela época?
Lembrei dessa violência, sempre lembro, a propósito da reforma em curso no Senado para instalar um banheiro feminino.
Até agora, as senadoras tinham que ir a um banheiro para mulheres numa lanchonete grudada ao plenário. Um despropósito.
Do total de 81 integrantes do Senado, as mulheres são 12 _poucas, mas bem acima de zero. A pioneira, Eunice Michiles, tomou posse em 1979, já em Brasília.
A primeira deputada federal, Carlota Pereira de Queirós, elegeu-se em 1933. Foi a única mulher na Constituinte do ano seguinte. Em 2016, as deputadas são 53; os deputados, 460.
Um dos últimos países a abolir a escravidão, o Brasil é lugar onde as coisas demoram demais a mudar, como evidencia a permanência obscena da desigualdade de gênero.