Movimento anti-impeachment tenta levar mais gente às ruas que ‘fora, Dilma’
Mário Magalhães
Não é questão aritmética, mas política. Os movimentos que preparam protestos contra o impeachment de Dilma Rousseff esperam reunir, na próxima quarta-feira, mais gente que os atos pelo afastamento da presidente realizados ontem.
Se a voz das ruas é determinante para o ''fora, Dilma'', o domingo foi generoso com a presidente. Dezenas de milhares de pessoas se manifestaram, mas o balanço político foi de fracasso, tamanha a redução das mobilizações. Pelas mesmas bandeiras, 210 mil haviam desfilado pela avenida Paulista em março, atestou o Datafolha. Ontem, o instituto contou 40,3 mil. Tombo de 81%.
A CUT, o MST, o MTST e outras organizações convocam para depois de amanhã manifestações em torno de três estandartes: ''Contra o golpe, em defesa da democracia! Fora Cunha! Por uma nova política econômica!''.
Noutras palavras, estão com Dilma pela soberania do voto popular de 2014 e no confronto com o capo da Câmara. E se opõem ao arrocho imposto pelo governo e que sangra sobretudo os mais pobres.
Em agosto, uma passeata anti-impeachment somou 37 mil presentes em São Paulo (conforme o Datafolha). Os promotores do protesto do dia 16 já tinham ambição de superar tal multidão. A novidade é a chance de juntar mais gente que os partidários do impeachment três dias antes. Não somente na capital paulista, também em outras cidades.
Algumas hipóteses ajudam a explicar o domingo. Mobilizações cansam. Nunca ficou tão evidente que pedir a cabeça de Dilma equivale a reforçar Eduardo Cunha, o correntista. A estatura de Michel Temer como eventual sucessor _sem voto do povo_ ficou menor depois do lamurioso manifesto-carta endereçado à presidente.
Dilma continua em maus lençóis. No Congresso, na bancada que decide, cresce o apelo do impeachment no PMDB que quer dar a Temer o que Temer jamais levaria nas urnas _o Planalto. O pior, para a presidente e o país, é que a paralisia estimulada pelo processo de impeachment definha ainda mais a economia. Quanto mais tempo a recessão permanecer, menor apoio dos cidadãos Dilma terá.
Por que a defesa do mandato legítimo da presidente é capaz de levar muitos manifestantes às ruas, embora a aprovação ao segundo governo Dilma seja de míseros 10%?
Uma reportagem de Fernando Canzian ajuda a entender. Em 13 anos de governos petistas, a renda dos brasileiros mais pobres cresceu 129% (descontada a inflação). A dos mais ricos, 32%. Uma façanha, no Brasil de desigualdade obscena.
Canzian escreveu, na ''Folha'': ''Em 13 anos de PT no poder, o Brasil distribuiu sua renda como em nenhum outro período da história registrada pelo IBGE. Todos ganharam. Quanto mais pobre, melhor a evolução''.
''O conjunto de crise econômica aguda, denúncias de corrupção, prisões de petistas e fragilidade política'', informou a reportagem, levam 26% dos brasileiros a achar que a vida piorou sob os governos Lula e Dilma. Ainda assim, 31% creem que melhorou.
Esta é a base social em que o governo deveria apostar para prevalecer a decisão das urnas. Mas a política econômica de arrocho, dito ''ajuste'', castiga quem teve a vida melhorada nos últimos tempos.
A despeito de todos os problemas de Dilma, a Paulista com mais de 40,3 mil manifestantes na quarta teria enorme impacto. Ao contrário do que parecia a certos observadores, o jogo das ruas ainda está sendo jogado.