Por vaga de garagem, homem mata mulher a facadas e retrata tempo de ódio
Mário Magalhães
Surtos de fúria não são novidade. Adão e Eva talvez não tenham se engalfinhado pelo fruto proibido só porque descobriram antes o prazer de compartilhá-lo.
Não é preciso ir muito longe, aos Estados Unidos, para lembrar episódios de insanidade. Lá, veteranos de guerra traumatizados e jovens devastados pelo bullying matam de magote. Cá, ex-aluno perpetra matança em escola e perturbado abre fogo no cinema. Tão de repente que as vítimas não têm tempo de se proteger.
Como a advogada Tatiana França, no Rio. Em maio, ela mudou a foto da capa do seu perfil no Facebook, estampando uma declaração atribuída ao Ayrton Senna: ''Um dia a tristeza vai embora, aprendemos a sorrir novamente, fazemos novas amizades e vemos que todo aquele sofrimento do passado não valeu tanto a pena''.
O derradeiro sofrimento de Tatiana começou na manhã da quinta-feira, no prédio onde ela vivia, em Laranjeiras. Sem morar lá, José Carlos de Castro Martins estacionou seu carro na garagem reservada a moradores do edifício da rua Pereira da Silva. Teria ido visitar a ex-mulher. Como ele não é mais morador, condição para deixar o automóvel na garagem, Tatiana reclamou do abuso, como fizera outras vezes. Até aí, rolou o estresse comum a condomínios semelhantes.
Então o ensandecido homem de 66 anos empunhou uma faca e atacou a mulher de 35. Tatiana ficou caída diante do prédio, ensanguentada. Levada ao hospital, agonizou até morrer anteontem. O assassino está preso.
Mais um surto de fúria, é verdade. Numa época nublada pelo ódio, documenta-a como um retrato.
Uma discussão irrelevante _comparada à vida_ resulta em ato covarde e assassino. Tão covarde e assassino como o dos PMs que fuzilaram os cinco jovens negros em Costa Barros.
Quase todo mundo conhece gente que, nos últimos tempos, afastou-se por motivos menores de quem sempre lhe foi caro ao coração. Por motivos menores entenda-se quase tudo, inclusive política, ou melhor, politicalha. Não se tolera a diferença.
De política, esporte e geografia Tatiana gostava muito no Colégio Santo Inácio, como recordou sua colega Anna Luiza. As duas concluíram o ensino médio em 1997.
Em abril, Tatiana deu o toque, divulgando uma mensagem: ''Se a gente soubesse o quanto o carinho salva, a atenção alimenta e a união fortalece, não estaríamos perdendo uns aos outros todos os dias''.
O tempo não é de carinho. É de ira e perdas.