Blog do Mario Magalhaes

Por Débora Thomé: O que falta fazer? (ou de volta às nossas batalhas)

Mário Magalhães

Débora Thomé, acima: jornalista, feminista, cientista política – Foto Facebook – #agoraequesaoelas

 

A palavra está com a Débora Thomé. Vestindo a camisa da iniciativa ''Agora é que são elas'', o blog publica artigo da jornalista, ativista, feminista, cientista política e fundadora do Bloco Mulheres Rodadas.

A Débora anota: ''O país perdeu muitos anos de mulheres geniais a quem restava apenas o papel de mãe de família''.

Pergunta: ''Quantas outras tantas mulheres vamos perder ao não valorizar a contento seu trabalho e suas ideias?''

E responde: ''Vai ver por isso tudo tivemos que voltar a nossas batalhas. Porque vimos que muitas delas continuam longe de vencidas''.

#agoraequesaoelas O artigo, na íntegra:

O que falta fazer?

Por Débora Thomé

Quem estava nas barricadas nos anos 70 e 80 duvidava que o movimento feminista tivesse ainda energia para voltar com força. Muitas mulheres continuaram no front, batalhando para conseguir apoio de suas congêneres Mas já há uns dois anos, muitos – e muitas – foram surpreendidos pelo aumento de novas iniciativas do mundo das mulheres. O que houve – o que está havendo – ninguém ainda entendeu ainda muito bem, mas tenho algumas suspeitas para o caso de jovens senhoras, como eu.

Nos início dos anos 70, as mulheres não eram muito mais que os 20% da População Economicamente Ativa (a PEA). Do total dos trabalhadores, 80% eram homens; os chefes de família. Em meados dos 70, quando nasci, com toda a modificação nos costumes, as mulheres alcançavam 29% da PEA, segundo os dados do IBGE. Passados quase quarenta anos, em um processo crescente, vamos rumando para os 45% de participação no mercado de trabalho.

O processo que se deu nessa esfera, foi acompanhado por outro, na educação. Desde 1995, as meninas registram resultados melhores em língua portuguesa nos testes do MEC. De acordo com dados do movimento Todos Pela Educação, 61% das adolescentes conseguiam terminar o ensino médio até os 19 anos de idade; percentual que entre os rapazes era de 48%. Na matemática, as estudantes ainda têm piores resultados, mas estão em uma curva ascendente.

Não está bom ainda? As mulheres são 57,1% dos estudantes em universidades entre 18 e 24 anos; mais mulheres que homens nessa faixa etária frequentam a universidade. Desde 1998, o número das que recebem o título de mestrado é maior. O mesmo aconteceu para o doutorado, a partir de 2004, quando 51% do total eram as doutoras.

Dentro das casas, também ocorriam transformações fundamentais, a começar pela enorme redução no número de filhos. Hoje, as mulheres são responsáveis pelo sustento de 37,3% das famílias. Vivemos mais anos.

Fomos instigadas a construir nossa trajetória, desafiando conservadores e vozes nada isoladas do status quo. Assim o fizemos.

Quando estudava, nos anos 80 e 90, havia uma promessa de que, neste “mundo novo”, o feminismo não seria mais necessário, afinal já tínhamos conquistado o direito ao estudo, ao divórcio, à pílula e ao sexo antes do casamento. Neste tal mundo, o mérito traria as recompensas, que seriam resultado dos nossos próprios esforços e abdicação. Muito aconteceu, mas esse prêmio pelo esforço chega ainda de forma muito tímida. Entre outras evidências, os salários das mulheres continuam cerca de 20% menores, para carreiras idênticas e com mesma formação. Onde falhamos, então?

Há algo que nunca mudou a que chamam com o nome pomposo de “divisão sexual do trabalho doméstico”. Mesmo uma mulher com doutorado, quando comparada com um homem apenas alfabetizado, gasta mais tempo com os afazeres domésticos que ele. A estrutura ainda é arraigada de tal forma que a mudança não prospera. A maioria das mulheres acaba tendo que optar: filhos ou trabalho ou sono ou lazer. Ou tudo isso feito de forma adaptada, insuficiente, improvisada.

Minha avó é uma mulher inteligentíssima, informada, trabalha por prazer aos 81 anos vendendo queijo; minha mãe, que só pôde fazer faculdade depois de mim, lidera uma ONG. Minha avó não fez o ensino superior e minha mãe não seguiu antes sua vocação porque a sociedade as coagia a priorizar os filhos. E elas são apenas dois exemplos.

O país perdeu muitos anos de mulheres geniais a quem restava apenas o papel de mãe de família. Quantas outras tantas mulheres vamos perder ao não valorizar a contento seu trabalho e suas ideias? (Isso para não citar toda uma coleção de arbitrariedades em outros espaços de poder.)

Vai ver por isso tudo tivemos que voltar a nossas batalhas. Porque vimos que muitas delas continuam longe de vencidas.