Blog do Mario Magalhaes

Prêmios ignóbeis

Mário Magalhães

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Só falta dar prêmio de proteção ambiental ao caçador que matou o leão Cecil (foto, no Zimbábue)

 

No tempo em que almas generosas de vez em quando me premiavam por reportagens, eu recorria a um exercício de polo positivo e polo negativo que me deixava ainda mais feliz, porém vacinava contra a gabolice.

Primeiro, lembrava ganhadores admiráveis que haviam conquistado o mesmo reconhecimento. Em seguida, catava na memória o nome de jornalistas que em nada lustravam a história do prêmio. Elas por elas, eu celebrava, sem perder a noção.

Ignoro se os vencedores do Nobel da Paz adotam tal providência. Se não, valeria a pena. Estufariam o peito pela homenagem prestada a gente como o Luther King, o Mandela e a Malala. E desempinariam o nariz, por pendurar suas fotos na galeria que exibe o retrato do Kissinger.

Um ataque aéreo dos Estados Unidos destroçou dias atrás um hospital no Afeganistão, matando 22 inocentes. Como se tripudiasse, um coronel tratou as vítimas como “dano colateral”. No alvo do bombardeio dava duro uma brava turma dos Médicos Sem Fronteiras, organização laureada em 1999 com o Nobel da Paz. Dez anos mais tarde, agraciaram o Obama, comandante em chefe das tropas norte-americanas, com idêntico Nobel. O prêmio não está com essa bola toda.

Prêmio é negócio complicado. A Câmara conferiu um ao Alckmin. O premiado distinguiu-se, alegam, na gestão da crise hídrica, que os teimosos insistem em chamar de falta d’água. O governador deu de ombros ao espanto de quem conserva a toalha seca por carência de matéria-prima para o banho: “Modéstia à parte, é merecido”.

Operação França poderia merecer seu Oscar de melhor filme recebido em 1972. O problema é que o bom filme derrotou o espetacular Laranja Mecânica. Idem a escolha do Oliver Kahn para craque da Copa de 2002. Até a semifinal, vá lá, passava. Depois, com a falha do goleiro na decisão, e o duo Rivaldo e Ronaldo sobrando, micou.

Ao contrário de prêmios engraçados sem querer, existe um cujo propósito também é arrancar gargalhadas. O Ig Nobel festeja pesquisas na aparência maluquetes. Mas só na aparência, pois a cerimônia em Harvard reverencia a criatividade na ciência.

Na edição deste ano, os jurados da categoria matemática se impressionaram com os cálculos de dois antropólogos austríacos. Eles investigaram a fama do Mulay Ismail, sultão do Marrocos, de ter tido 888 filhos no período de 1672 a 1704.

Cá entre nós, fiquei mais impressionado com a saúde do sultão, dono de um harém de quinhentas concubinas. Cruzando informações e probabilidades, a pesquisa estimou uma prole de 1.171 crianças. Com o maratonista, dos 25 anos 57 anos, fornicando em média de 0,83 a 1,63 vez por dia.

Os promotores dizem que o Ig Nobel pretende fazer rir e pensar. Daria o que pensar um prêmio de preservação ambiental ao caçador que matou o leão Cecil no Zimbábue. De sensibilidade social ao Joaquim Levy. Ou de cidadania a quem foi ontem, em Belo Horizonte, ao velório de um antagonista político comemorar sua morte. Para rir, não dá.

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