Um ano após vencer eleição, Dilma radicaliza comportamento de derrotada
Mário Magalhães
Aniversaria, por esses dias, a vitória da campanha reeleitoral de Dilma Rousseff. Em outubro do ano passado, a candidata venceu o primeiro e o segundo turnos. No começo daquele mês, alcançou 42% dos votos. No fim, 52%, triunfo com 54.501.118 sufrágios.
Talvez o porvir esclareça em que momento algum bichinho, o antípoda da mosca azul, soprou-lhe que havia sido sobrepujada por Aécio Neves. A presidente deu-lhe ouvidos, a julgar por seus passos no Planalto.
A reforma ministerial em curso consagra uma política contraditória com a pregação de palanque. Se alguém ainda duvida, sugiro assistir no YouTube às peças petistas da campanha de 2014.
O governo contrário à agenda chancelada pela maioria dos eleitores é uma evidência tal que, quando Fernando Henrique Cardoso afirma que a presidente enredou-se em ''um pacto com o demônio'', poucos correligionários de Dilma rejeitam o diagnóstico.
O que fazem as vozes intelectualmente honestas é recordar que o ex-presidente se pronuncia na condição de mestre _Renan Calheiros foi seu ministro da Justiça.
Há um sem-número de erros de tática política e inépcia de gestão no atual governo. O engano mais relevante, porém, é a estratégia de impor ao país uma administração ofensiva à decisão da maioria um ano atrás.
Ao romper consigo mesma (ou com o que dizia), a presidente, em vez de frear, estimula segmentos que historicamente não reconhecem a soberania do voto popular. Como já dito no blog, ela age como o time que se retranca, chama o adversário para cima e padece com o sufoco.
Como também observado aqui, este ensaio de suicídio político resulta no abandono da presidente pelo colchão social que a respaldava. De cada dez brasileiros, apenas um considera ótimo ou bom o governo Dilma Reloaded. Ela dilapidou boa parte do seu enorme patrimônio eleitoral.
A síntese do arrocho que sacrifica os mais pobres é a presença, no comando do Ministério da Fazenda, de um eleitor de Aécio Neves.
Militantes que se dedicaram a renovar o mandato de Dilma, e nela acreditaram, protestarão sábado também ''contra a política de ajuste fiscal''. Os bancos, na contramão, estabelecem recordes de lucros.
Sem sua antiga base social disposta a defender a política que pune os já punidos pela desigualdade obscena, a presidente rendeu-se ao toma-lá-dá-cá do Congresso.
Isto é, aceitou o terreno onde grassa a chantagem, incluindo a modalidade golpista do impeachment (não há prova de crime contra a presidente), e a ela se rende. O trunfo de Dilma contra as chantagens são _seriam_ os seus quase 55 milhões de eleitores.
Mas como convocá-los a pressionar as instituições que decidem, e nas quais muitos congressistas chantageiam a governante constitucional, se em 2015 Dilma castiga seus apoiadores de 2014 com a fatura mais amarga da conta da crise?
Expulsar da Saúde um sanitarista digno e entregar o Ministério à gula do PMDB equivale a autorizar a queda de qualidade do sistema público de saúde. É a rede que atende aos brasileiros mais necessitados.
Com o ensino público sofrendo com o arrocho impiedoso, Dilma retira do Ministério da Educação um educador de méritos reconhecidos para acomodar um amigo saído de outra pasta. Quem vem pagando pelo arrocho? Os filhos daqueles que precisam de livros infantis nas escolas públicas, que não têm como comprar nas livrarias _o governo cancelou ou adiou a aquisição de livros para as bibliotecas escolares.
Hoje faz nove meses que Dilma foi (re)empossada. Ela faz o que dizia que não faria. Governa contra os interesses de quem a escolheu. Castiga seus eleitores e prestigia a política neoliberal patrocinada pelo adversário derrotado. Comporta-se como se a derrotada tivesse sido ela.
Nas internas, a presidente costuma lamentar a correlação de forças no Congresso. Será que ela não sabe que, em muitos momentos da história, a pressão popular logrou dos conservadores concessões que eles não aceitariam sem o povo nas ruas?
Mas quantos eleitores de Dilma estão dispostos a desfraldar bandeiras em nome do arrocho que ela aplica?
Mais do que a cabeça da presidente, muitos figurões querem o fim das políticas que permitiram a dezenas de milhões de brasileiros deixarem a miséria absoluta. Tem gente que não aceita, eis o Brasil, nem empregada doméstica com carteira de trabalho.
Num vexame apoteótico, o PMDB famélico toma o governo.
A vida dos brasileiros mais humildes, comprovam até as estatísticas oficiais, vai piorando.
Não foi para isso que a presidente foi eleita.
Quem foi o bichinho que disse a Dilma Rousseff que ela perdeu a eleição?