Ódio, intolerância e covardia: quem cala consente com o surto fascistoide
Mário Magalhães
Stedile, Bolsonaro, Lula, Aécio, Dilma, Caiado, Freixo, Cunha, Marina, Renan, Serra, FHC. Cada um que pense o que bem entender a respeito deles. Decentes ou indecentes, indignos ou dignos, confiáveis ou inconfiáveis, inescrupulosos ou escrupulosos, luminosos ou obscuros, mentecaptos ou sábios, generosos ou egoístas, ladrões ou honestos, dádivas da existência ou abortos da natureza. Pense o que se pensar de tais vultos da República, configura direito democrático e constitucional a livre manifestação de pensamento por eles e todos os cidadãos.
Ao desembarcar em Fortaleza anteontem à noite para proferir uma palestra, João Pedro Stedile foi tocaiado, hostilizado, xingado, intimidado e provocado no aeroporto. Como documentam as imagens acima, veiculadas por partidário da ação hidrófoba contra um dos líderes do MST.
Dezenas de pessoas furiosas _''população indignada'', no título do vídeo, fica por conta da fantasia_, em cilada planejada, cercaram Stedile e uma senhora. Gritaram ''fora'', ''vai pra Cuba'', ''assassino'', ''comunista'', ''traidor da pátria'', ''fascista'', ''traidor do Brasil'', ''Bolsonaro'', tudo com ponto de exclamação.
Nos comentários no Youtube, um entusiasta em regozijo sugeriu: ''Essa era a hora de estraçalhar ele [Stedile] e fazer em pedaços''.
Fico matutando se será necessária uma noite dos cristais para que mais brasileiros se insurjam contra o surto de intolerância em curso.
Não está em questão o que Stedile pensa e diz sobre isso ou aquilo, mas o seu direito de pensar e dizer. Direito que deve ser assegurado, nos marcos civilizatórios e da democracia, a qualquer um. Sem sofrer intimidação, perseguição, agressão.
Se hoje miram Stedile, e muita gente faz que não viu, amanhã a vítima pode ser outra. Num caso e no(s) outro(s), a gravidade será igual.
Porque tentar sufocar a liberdade de expressão é atitude típica do nazismo, do fascismo e do stalinismo.
A armadilha fascistoide no aeroporto tem um aspecto ainda mais sinistro, o da covardia.
Um tempero de história: nos idos de 1964, antes do golpe de Estado, antípodas como Carlos Lacerda e Leonel Brizola foram impedidos por grupos adversários de falar em eventos. Deplorável.
Mas os oponentes se dirigiram aos locais públicos onde se Brizola e Lacerda discursariam. Portanto, o deputado e o governador lá estariam com seus correligionários. Não foram surpreendidos sozinhos, como na terça-feira.
O intolerante não se contenta em se opor, em termos ultrarradicais, às ideias alheias _isso é do jogo da democracia. Busca impedir que as ideias possam ser veiculadas.
Seja cercando covardemente um cidadão no aeroporto, expulsando-o do seu país, condenando-o a campo de concentração, confinando-o no gulag ou matando-o num forno crematório. É o que a história ensina.
O fascismo é intolerante porque, crente no monopólio da verdade, não tolera a divergência.
Alimenta o ódio contra quem pensa o contrário.
Não se constrói uma nação babando de raiva na gravata e interditando o diferente.
Como ontem, quem hoje cala consente.