Blog do Mario Magalhaes

Memória: a reta final da Help

Mário Magalhães

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Lembrança da discoteca Help, da coleção do blogueiro

 

O Museu da Imagem e do Som, aqui do Rio, completa hoje 50 anos de ótimos serviços prestados à cultura nacional, sobretudo a carioca. O Estado promete concluir as obras da nova sede do MIS no primeiro semestre do ano que vem. Será um prédio monumental e estiloso, na avenida Atlântica, de cara para o mar de Copacabana. A efeméride deste 3 de setembro me fez lembrar da casa que funcionou até janeiro de 2010 no terreno que abrigará o MIS. Era a discoteca Help, que marcou época na cidade. Em maio de 2009, quando estava em curso a desapropriação, escrevi uma reportagem (reproduzida abaixo) sobre o lugar. Como nunca tinha ido lá, aceitei o convite generoso de um amigo habitué para me ciceronear. Conversei, ouvi histórias, contei. Por mais imponente e bacana que seja o novo MIS, mantenho a opinião: era melhor ter poupado dinheiro público com a aquisição do terreno, deixado as garotas de programa trabalharem em paz por lá e erguer o prédio na região portuária. Jogo jogado, mais 50 anos de sucesso ao MIS, agora também em Copacabana!

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Help!

Dona de curvas discretas que sugerem encantos depois de algumas doses, a mineira de nome de guerra Adriana dá de ombros ao anúncio de que, desta feita, a discoteca Help vai mesmo virar museu: ''Só se for museu de mulher pelada''.

Não se veem mulheres peladas no estabelecimento fundado 25 anos atrás na orla de Copacabana, como reduto da juventude bem nutrida da zona sul, e que se consolidou na década de 1990 como templo da prostituição no Brasil.

O governo do Rio de Janeiro pretende erguer nos 1.600 metros quadrados do terreno da av. Atlântica a sede do MIS (Museu da Imagem e do Som).

O Estado depositou em juízo R$ 13 milhões para a desapropriação e orça o projeto em R$ 65 milhões, metade da iniciativa privada. Com acervo de 1.300 metros lineares de documentos, o MIS funciona em dois prédios históricos, de 1864 e 1922.

Sem cafetão

Em modelos minimalistas ou dois números menores, mulheres dançam na pista com ambição de terminar a noite sem roupa, mas com dinheiro no bolso. A vingar o plano do governo, elas vão perder o coliseu onde a clientela fantasia que as caça enquanto é caçada.

Milhares de garotas e senhoras de programa -ninguém precisa quantas exatamente- partirão em diáspora incerta em busca de um canto seguro como a Help para trabalhar.

Aqui, cafetão não tem vez. Dos em média R$ 15 mil que uma gaúcha balzaquiana jura faturar por mês aos R$ 3.200, R$ 3.500 de uma paulista de nove filhos, quatro netos e 42 anos de formosura, nenhum tostão é transferido a agente, ''protetor'' e explorador.

O desembolso é pelo ingresso, R$ 28 antes da meia-noite e R$ 38 até o fechamento, por volta das 5h -o valor não varia por sexo. O investimento é de risco: se não obtiver cliente, contabiliza prejuízo. O preço espanta prostitutas mais pobres e travestis que se prostituem.

Em contraste com os inferninhos do bairro, as prostitutas não empurram drinks aos frequentadores, boa parte oriunda do exterior. Cada um tira seu tíquete no caixa e pede no balcão. A preços módicos, a considerar a vizinhança: lata de refrigerante a R$ 3, garrafinha de espumante top do Vale dos Vinhedos a R$ 20.

Não há sexo, nudez, performance erótica. O cenário passaria por boate comum, se as mulheres não ofertassem o amor pago. Seguranças zelam contra o consumo de drogas. Bolsas ficam na chapelaria. As portas dos banheiros são tão baixas que inibem quem lá acorre em apuros.

Quadros apregoam em vários idiomas o veto a saias excessivamente curtas, o que estimula a dúvida: se as minissaias que desfilam lá dentro não são demasiado minúsculas, serão as vestes proibidas invisíveis a olho nu?

Impõem-se limites aos amassos. Não se identificam jovens com aparência de menor de idade. À meia-noite o DJ ataca com a gravação original de ''Help'' pelos Beatles. Logo vem o baticum techno.

Moralismo

''É um lugar extremamente seguro e de acordo com as normas e códigos do trabalho sexual no Brasil'', diz o antropólogo Thaddeus Blanchette. ''Se todas as zonas e os bordéis fossem que nem a Help, a gente seria uma cidade feliz.''

Americano radicado no Rio, Blanchette é co-autor, com a antropóloga Ana Paula da Silva, do estudo ''Nossa Senhora da Help''. Ambos são doutores pela UFRJ. O título ironiza o estrangeiro crente que fisgara na discoteca a mulher dos sonhos: baiana, 26 anos e virgem.

Autora do livro ''Filha, Mãe, Avó e Puta'' (Objetiva, 2009), a ex-prostituta Gabriela Leite sintetiza: ''O fechamento é fruto de moralismo do governo, para esconder a prostituição''.

A Secretaria de Estado de Cultura, dirigida por Adriana Rattes, nega: ''É uma acusação leviana. O governo tem outras grandes preocupações que não o moralismo''.

Ela acrescenta: ''A grande motivação do novo MIS é a certeza de que a cultura é fator de ponta de desenvolvimento econômico. O MIS será a maior atração do turismo cultural nacional e internacional, além de centro de documentação sobre a história da música e da imagem desta Cidade Maravilhosa''.

Em outubro, contudo, o governador Sérgio Cabral comemorou: ''[…] Vamos recuperar uma área degradada da cidade, que acabou se transformando em um centro de prostituição e referência negativa […]''.

Blanchette retruca: ''O governo está fechando um lugar modelar. Onde mulher vai para encontrar cliente. E vai embora para o hotel dele. Na Help, é a mulher que controla os termos da negociação. Ela pode ou não ir com alguém''.

Turistas

A controvérsia anima fóruns da internet mundo afora. Um gaiato escreveu que, se é tão bom como contam, viajará ao Brasil antes que a Help morra. Na quinta, o Google fornecia 603 mil links para a busca conjunta pelas palavras ''disco'' ''Help'' e ''Copacabana''. Proliferam-se anúncios na rede por apartamentos próximos à discoteca. Em um site, há três categorias: a 4, 8 e 12 minutos de distância. Fazem-se reservas por telefone nos EUA.

Os turistas sexuais são o alvo recorrente das moças: elas sonham com um marido ''gringo'' que as leve ao lugar-comum da felicidade, muito além do Brasil. Uma confidencia que deixou os filhos na Europa, com o pai alemão, e retomou a labuta antiga.

No padrão da Help, a prostituição é legal. Ilegal é explorá-la. Ninguém sabe quantas prostitutas há no país -no Censo, elas ocultam a ocupação. Não são poucas as que fazem da Help um complemento financeiro a atividades diurnas.

Em outras quadras de Copacabana, como em torno da rua Prado Junior, profissionais do sexo submetidas ao controle de cafetões são comuns. Aquela região deve receber muitas iminentes órfãs da Help. Será o fim da autonomia atual. Nas calçadas da praia, elas buscarão a freguesia e terão que se expor ao jogo bruto do trottoir.

Proprietário do imóvel, o espólio de uma polonesa resiste à desapropriação na Justiça, daí o ceticismo de alguns sobre a instalação do MIS.

Decisões judiciais levam o Estado a considerar que se está ''na reta final para começar a demolição'' do prédio da Help, no qual cabem 2.000 pagantes, com o uso da área de um restaurante desativado. Os donos da discoteca, locatários do imóvel, dizem não querer polêmica e esperam que a despedida esteja distante.

As futuras sem-teto não pedem socorro: lamentam, mas se conformam com o despejo. Nas memórias de muitos, elas serão o acervo do museu imaginário de mulheres peladas.

(Folha de S. Paulo, 31 de maio de 2009)