Renê, do Sport, anotou o golaço do fim de semana. O golaço da dignidade
Mário Magalhães
Depois do almoço, no sábado, Bayern de Munique 3 a 0 no Bayer Leverkusen. Com novo experimento do Guardiola. No Barcelona, ele chegou a jogar sem nenhum defensor de ofício entre os quatro da linha de defesa. Anteontem, montou a equipe bávara com um trio fazendo as vezes de zaga, mas sem nenhum zagueiro-zagueiro ou mesmo zagueiro mais estiloso. No centro, atrás, o volante Xabi Alonso, com o lateral ou volante Lahm pela direita e o lateral Alaba pela esquerda. Perde-se em punch defensivo, mas ganha-se a saída de bola com altíssimo nível técnico. Deu certo. Impossível ter sono com um onze do treinador catalão.
Em seguida, na tarde do sábado, o encanto diminuiu, embora fosse o Barça em campo, 1 a 0 no Malaga. O problema é que o time do Messi, em princípio de temporada, ainda busca embalar. O Neymar, recuperado de caxumba, está fora de forma. O Barcelona finalizou mais de 20 vezes e fez menos faltas do que os dedos da mão.
No domingo, o Flamengo venceu o Sport por 1 a 0, no terceiro jogo do Oswaldo. O treinador soma duas vitórias no Brasileiro e um empate (com eliminação) na Copa do Brasil. Tudo bem que contar com um jogador a mais desde o primeiro tempo, consequência de expulsão justa do Samuel Xavier, ajudou. Mas desde o início parecia haver mais solidariedade, com um buscando o outro, em vez de tentar resolver sozinho. E mais ousadia, sem a obsessão roda presa dos três volantes que prevaleceu neste ano. O Leão, que jogara muito mais que o Flamengo no Rio, desacelerou, fase ruim, em Pernambuco.
O episódio mais notável da partida não foi o gol do Everton ou o vermelho para o Samuel. Mas a decisão do lateral-esquerdo Renê de recusar o apelo da torcida, de muitos companheiros e do técnico Eduardo Baptista (este não deve ter sido visto) para não parar o jogo quando o Everton estava caído. Contra a massa, Renê tocou pela lateral.
Dois toques, antes de concluir.
Um. No 2 a 2 do Maracanã, em maio, o Flamengo só chegou aos 2 a 2 nos acréscimos da segunda etapa. Diego Souza havia ido para o gol, substituindo Magrão, contundido. Na jogada do empate, o rubro-negro carioca não devolveu a bola para o rubro-negro pernambucano, depois que ela havia sido chutada para fora, quando o Élber estava no chão. Os donos da casa apontaram cera, interpretação igual à do árbitro. O Sport julgou que o Flamengo ferira o fair play, ao ficar com a pelota. Seus jogadores saíram legitimamente bronqueados.
Dois. Sou Flamengo, o que não significa que seja um fanático capaz de aceitar estupidez em nome do paixão. Acho que ganhar roubado não é mais gostoso, portanto discordo de um ex-goleiro nosso que pronunciou tal cretinice. Mas sou rubro-negro _do Rio_, tenho coração e opinião, não sou filho de chocadeira. O que eu quero dizer é que pensaria a mesma coisa se tivesse ocorrido o contrário, com as camisas trocadas. Se alguém desconfiar que é papo furado, faz parte.
Aos finalmentes. Renê deu uma lição de dignidade. Foi maior que o Flamengo do Maracanã e que o Sport da torcida e parcela do time. Ensinou, para muito além do futebol, que é possível não se curvar ao ímpeto de manada, que dá para pensar por conta própria. Everton estava mesmo sofrendo, levou um pisão daqueles de machucar de verdade. Corria o segundo tempo, e o Sport honrava suas melhores tradições, sem se entregar. Ao ver que um colega de profissão, adversário no gramado, se contorcia de dor, o Renê chutou para a lateral. Não é que tenha sido vaiado, apenas. Foi xingado e hostilizado pela torcida do seu clube.
O Renê reconheceu o direito de o torcedor apupar, mas afirmou que em campo a decisão é dele. ''Se eu não tivesse feito [parado o jogo para o atendimento médico], eu sairia com a consciência pesada.''
O mais generoso no gesto do Renê foi rejeitar a vingança. No clima do jogo, foi de uma coragem incomum. (E ainda por cima o cara salvou dois gols.)
Talvez o Brasil fosse melhor se, em vez de se preocupar com vaias e xingamentos, cada um se mantivesse escrupulosamente fiel à sua consciência.
Parabéns, Renê!