Lúcio de Castro, testemunha da história: Leblon bateu panela, Cruzada calou
Mário Magalhães
Lúcio de Castro, um dos maiores talentos da reportagem brasileira, teve ontem uma curiosidade: saber como se comportariam moradores do Leblon e da Cruzada São Sebastião a partir das oito e meia da noite. Naquele horário, iria ao ar o programa televisivo do PT, e opositores haviam convocado mais um panelaço em protesto.
(Bom) repórter curioso é pleonasmo. Quem tem vocação para a reportagem se comporta como bebê passeando, com o pescoço esticado feito periscópio, querendo ver, descobrir, aprender.
E lá foi o Lúcio, que conhece bem a Cruzada, onde fez muitas matérias. Trata-se de um conjunto residencial popular, com dez blocos e milhares de moradores. Iniciativa de dom Hélder Câmara, no século passado, para abrigar com dignidade ex-moradores de uma favela.
A Cruzada, com seus habitantes pobres ou remediados, contrasta com o perfil mais endinheirado do Leblon, cuja praia está a duas quadras dali _a lagoa Rodrigo de Freitas também fica pertinho.
A Cruzada se situa no Leblon. Só que ninguém diz ''vou ao Leblon'' e entra na Cruzada. Diz ''vou à Cruzada'', tamanha a disparidade social.
O Lúcio foi e me contou o que aconteceu.
No lado do Leblon-Leblon, das simpáticas novelas do Manoel Carlos, o barulho abalou os tímpanos.
Na Cruzada, não se viu ou ouviu panela alguma, a não ser as da vizinhança mais abastada.
Isso significa que o desgaste da presidente Dilma Rousseff só existe entre os mais ricos? Não.
Mas há um abismo entre os que a rejeitaram em outubro _e continuam a rejeitá-la, agora panelando_ e os que a reelegeram, estão frustrados, não saem às ruas para defendê-la, mas consideram que suas vidas melhoraram nos tempos de Lula e Dilma.
Quando a história for contada com serenidade, em outra quadra histórica, o testemunho do Lúcio de Castro será valioso.