Blog do Mario Magalhaes

Editora rebate Eduardo Paes, que chamou de ‘asneira’ livro sobre remoções

Mário Magalhães

Pichação na favela Metrô-Mangueira - Foto Luiz Baltar/Divulgação Mórula

Pichação na favela Metrô-Mangueira – Foto Luiz Baltar/Divulgação Mórula

 

Lançado neste ano pela Mórula Editorial, o livro ''SMH 2016: remoções no Rio de Janeiro Olímpico'' foi qualificado pelo prefeito Eduardo Paes como ''conjunto de asneiras'' e ''panfleto de oposição''.

As afirmações do prefeito do Rio foram feitas na semana passada, em sabatina promovida pelo UOL e pela ''Folha de S. Paulo'' (a íntegra da entrevista pode ser assistida clicando aqui).

O livro conta que mais cariocas foram removidos compulsoriamente de suas residências no governo Eduardo Paes do que nas administrações de dois célebres governantes da cidade, Pereira Passos (1902-1906) e Carlos Lacerda (1960-1965, este na condição de governador da Guanabara).

Os autores da obra sobre remoções forçadas são Lucas Faulhaber e Lena Azevedo. O prefácio é assinado pela arquiteta e urbanista Raquel Rolnik, professora da USP.

Paes disse na sabatina, sem citar data, que em breve a prefeitura colocará no ar ''um site contestando esse livro e outras mentiras''.

Em resposta ao prefeito, a Mórula Editorial enviou ao blog o texto reproduzido abaixo. O artigo sustenta que ''ainda há muito a se debater sobre os mais de 65 mil removidos no Rio de Janeiro Olímpico. Não temos dúvida de que as marcas de um processo tão violento marcarão nossa história por bastante tempo – e não apenas as das famílias removidas''.

O blog está, é evidente, aberto à manifestação do prefeito.

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Resposta da Mórula Editorial ao prefeito Eduardo Paes

O prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, foi entrevistado na última quarta-feira (22) em sabatina promovida pelo jornal Folha de S. Paulo e pelo portal UOL. Na ocasião, os jornalistas Mônica Bergamo e Mário Magalhães questionaram o prefeito sobre o elevado número de remoções forçadas realizadas durante seu governo, tendo por base dados do livro ''SMH 2016: remoções no Rio de Janeiro Olímpico'', de Lucas Faulhaber e Lena Azevedo.

Nós, da editora responsável pela publicação do livro, bem como os autores, recebemos com espanto as respostas do alcaide. Eduardo Paes não contesta nenhum dado da publicação, toda baseada em cuidadosa pesquisa a partir de informações da própria prefeitura. Pelo contrário, o prefeito concentra-se em classificar o livro como ''panfleto da oposição'' e ''conjunto de asneiras''. Não vale a pena deter-se nesses argumentos, mas não podemos deixar de ressaltar que ''SMH 2016: remoções no Rio de Janeiro Olímpico'' foi recebido com entusiasmo tanto pelo público especializado (pesquisadores, jornalistas e militantes do direito à moradia), como pela população em geral do Rio de Janeiro. Isso porque, como ressalta a urbanista Raquel Rolnik no prefácio, ''um dos pontos mais fortes do estudo é trazer informações precisas e – por serem muito difíceis de encontrar e sistematizar – preciosas sobre as remoções dos pobres urbanos no Rio de Janeiro''.

Por essa razão, parte da resposta do prefeito nos deixou com excelente expectativa. Ele garantiu que a prefeitura lançará em breve um portal com ampla informação sobre os removidos durante seu governo, dando acesso assim a dados até hoje obscuros, como: laudos técnicos, número de desapropriações, recursos gastos, panorama da realocação das famílias removidas etc.

Entretanto, com o intuito de levar adiante este debate que é tão importante para o conjunto da cidade, nos sentimos na obrigação de comentar algumas das questões levantadas por Eduardo Paes quando questionado sobre as remoções.

1) Favela Metrô-Mangueira: é importante ressaltar que os conjuntos Mangueira I e II, construídos do outro lado da linha do trem, a princípio, não foram planejados para atender qualquer reassentamento da favela Metrô-Mangueira e não receberam todos os moradores da comunidade, como pode parecer. Após muita resistência dos moradores é que grande parte dos apartamentos dali foi destinada para este fim. Em 2010, mais de 100 famílias foram levadas para Cosmos, a mais de 50 km de distância, e antes de concluir a segunda fase do conjunto, algumas dezenas de famílias foram levadas para morar em Triagem. Os detalhes da remoção da comunidade são bem explicados no depoimento de Francicleide da Costa Souza, na segunda parte do livro. Ela resume assim o período que permaneceu morando na localidade, até transferir-se para o novo conjunto: ''Eles demoliam e deixavam os entulhos. (…) Eu tinha medo dos ratos, de tanto entulho que a prefeitura deixou. (…) A prefeitura faz a coisa que é pra maltratar quem resiste. Ela brinca muito com os nervos e o psicológico da gente.'' Ainda sobre toda a violência que envolveu a remoção na área, recomendamos o depoimento de um jovem morador, Carlos, que foi ao lançamento do livro na UERJ pedir ajuda, após ter recebido a ordem de despejo da prefeitura (aqui: http://migre.me/qWfLe).

Finalmente, vale recordar por que Metrô-Mangueira foi removida, mesmo não cedendo espaço para nenhuma obra de mobilidade ou construção de equipamento esportivo. O Plano de Gestão da Sustentabilidade dos Jogos Rio 2016 (p. 35, 2013) explica: ''Urbanização do entorno do Maracanã: A área é vizinha ao estádio do Maracanã e necessita de grande reestruturação urbana para o recebimento dos Jogos Rio 2016™. (…) O projeto abrange a relocação da favela do Metrô, situada à avenida Radial Oeste (728 domicílios e 119 comércios), com consequente reorganização do sistema viário na área remanescente e construção do centro comercial para fomento de atividades no local'' (acesse aqui: http://migre.me/qWfPg).

2) Áreas de risco: quando o poder público declara que determinadas casas estão expostas a situação de risco, abrindo o precedente para a sua retirada, as famílias que não têm conhecimento técnico ou condições de arcar com algum acompanhamento profissional ficam sem condições de questionar essa motivação. Muitos moradores de áreas removidas garantem que a avaliação de risco, que aparentemente serve para salvar vidas, ultimamente está sendo utilizada no intuito de encobrir outros interesses. Em diversos casos onde a comunidade organizada conseguiu refutar a caracterização do risco geotécnico, surgiram imediatamente novas razões.

Os casos da Providência, Estradinha Botafogo, Laboriaux na Rocinha e pico do Santa Marta, todas favelas em zonas valorizadas da cidade, são exemplares nesta disputa. Desconfiados dos resultados apresentados pelos laudos oficiais, as comunidades pediram auxílio a outros técnicos, que elaboraram contralaudos, que por sua vez apontaram um número muito menor de remoções necessárias para viabilizar as intervenções que garantiriam uma condição segura para a permanência dos moradores.

O que ocorreu na Estradinha Botafogo é relatado também em detalhes no livro, a partir de entrevistas com Reinaldo Reis e Maria de Fátima Amorim. A comunidade existe desde 1952, sem registro de desabamentos. Em abril 2010, após chuvas que provocaram desmoronamento de encostas em diversos morros, a prefeitura contratou uma empresa para avaliar o risco e o laudo final recomendou a remoção de 25 casas na Estradinha. No entanto, a prefeitura deu início a um processo de remoção de todas as casas da comunidade. A situação absurda foi noticiada pelo Jornal do Brasil, em sua página na internet, com a seguinte manchete: ''Prefeitura do Rio de Janeiro desembolsou R$ 10,7 milhões dos cofres públicos para remover moradores que estavam em área segura''. No livro ainda é possível conhecer processos similares na Indiana e na Providência.

Finalmente, vale enfatizar que, coincidentemente ou não, os assentamentos que apresentam o maior risco geotécnico e que também recebem obras de infraestrutura são exatamente aqueles que estão nas zonas de influência dos Jogos Olímpicos como mostra o mapa abaixo.

blog - remoções mapa

3) O discurso olímpico: os Jogos Olímpicos não removeram ninguém de fato, como afirma o prefeito. Ele são apenas mais um dos elementos que reforçam um certo projeto de cidade, servindo como justificativa para legitimar as ações do poder público. As remoções foram frequentes na história do Rio de Janeiro para liberação dos espaços para incorporação fundiária e imobiliária, e são as empresas destes setores, com grande ativismo do Estado, que têm o papel central nesse processo. Coincidência ou não, Odebrecht, OAS, Carioca Engenharia, Cyrela, MPH, Multiplan, Brookfield, Carvalho Hosken, Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa dentre outras companhias figuram entre as maiores financiadoras de campanhas eleitorais e são as principais contratadas de obras públicas e PPPs.

Ainda há muito a se debater sobre os mais de 65 mil removidos no Rio de Janeiro Olímpico. Não temos dúvida de que as marcas de um processo tão violento marcarão nossa história por bastante tempo – e não apenas as das famílias removidas. Eduardo Paes talvez entre para a história da cidade como mais um prefeito que levou adiante uma ampla reforma urbana. No entanto, já não há como se desvencilhar de uma marca indelével: em números brutos, foi o alcaide que mais removeu moradores da cidade do Rio de Janeiro. Já temos um vergonhoso recorde olímpico antes mesmo da abertura dos Jogos.