Blog do Mario Magalhaes

Discurso de Lula é de arrependimento por ter apadrinhado Dilma na sucessão

Mário Magalhães

Dilma e Lula na posse da presidente em 2011; ela supera seu antecessor em pesquisa para 2014

Dilma, ao assumir a faixa que havia sido de Lula – Foto Jorge Araújo/Folhapress

 

Em seguida à conquista do segundo mandato presidencial por Dilma Rousseff, sobrepujando Aécio Neves no voto, o blog publicou um post intitulado ''Dilma venceu com discurso à esquerda; virada à direita seria estelionato''.

Os meses se passaram, e o que ocorreu foi isso mesmo, danem-se os eufemismos, estelionato eleitoral. A presidente deu uma guinada a estibordo, sacrificando ainda mais quem sempre foi sacrificado. Isto é, os brasileiros mais pobres.

Até anteontem, tal constatação era alvo de pitis de bajuladores de Dilma, feito o Neymar contra a Colômbia. Pode continuar a ser, mas agora o constrangimento dos aduladores é ter de confrontar o padrinho da escalada da mineira-gaúcha ao Planalto.

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou, de acordo com as repórteres Tatiana Farah e Julianna Granjeia:

''Tem uma frase da companheira Dilma que é sagrada: 'Eu não mexo no direito dos trabalhadores nem que a vaca tussa'. E mexeu. Tem outra frase, Gilberto [Carvalho, ex-ministro, escanteado por Dilma], que é marcante, que é a frase que diz o seguinte: 'Eu não vou fazer ajuste, ajuste é coisa de tucano'. E fez. E os tucanos sabiamente colocaram Dilma falando isso (no programa de TV do partido) e dizendo que ela mente. Era uma coisa muito forte. E fiquei muito preocupado''.

As declarações foram feitas em reunião de Lula com militantes sociais vinculados à Igreja. A profusão de aspas na reportagem [leia aqui] publicada sábado pelo jornal ''O Globo'' sugere que houve transcrição de gravação.

O ex-presidente disse mais: ''Dilma está no volume morto, o PT está abaixo do volume morto, e eu estou no volume morto. Todos estão numa situação muito ruim. E olha que o PT ainda é o melhor partido. Estamos perdendo para nós mesmos''.

São as observações tornadas públicas mais contundentes de quem escolheu Dilma para a sucessão. A presidente foi eleita com legitimidade duas vezes. Mas só se tornou postulante do PT e candidata vitoriosa porque Lula a apadrinhou. O mesmo Lula que não passa um só dia sem se queixar de que a correligionária não tem o hábito de consultá-lo.

Diante da política suicida da presidente, a paciência acabou: ''Gilberto sabe do sacrifício que é a gente pedir para a companheira Dilma viajar e falar. Porque na hora que a gente abraça, pega na mão, é outra coisa. Política é isso, o olhar no olho, o passar a mão na cabeça, o beijo''.

Até o mais submisso colaborador de Dilma Rousseff sabe que havia outros partidários de Lula com mais lastro político do que a antiga ministra.

Dois militantes históricos que ambicionavam a Presidência, Antônio Palocci e José Dirceu, foram engolidos por escândalos.

O mensalão tisniu outras biografias de petistas.

Lula confiava no que considerava talento administrativo da ex-militante do PDT.

Analistas tarimbados e quadros próximos a Lula sugerem que a escolha da atual presidente decorreu da suposição de que ela governaria sob profunda influência do antecessor. Se de fato houve essa ilusão, Lula enganou-se.

O tom do seu discurso é o de quem se arrependeu por ter patrocinado Dilma, em 2010, e não outro nome da situação.

Qualquer balanço sincero reconhece que a vida da maioria dos cidadãos melhorou nos anos Lula-Dilma.

O que a presidente faz no segundo mandato, punindo os mais humildes e preservando os mais ricos, é colocar em risco progressos recentes.

Corrijo: colocar em risco, não. A retirada de conquistas e direitos dos trabalhadores está em curso, no governo Dilma Reloaded, e o arrocho parece estar só começando.

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