Blog do Mario Magalhaes

‘Passo o ponto’: em menos de um mês, 3ª livraria do Rio anuncia fechamento

Mário Magalhães

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O cartaz de ''passo o ponto''; lá dentro, 5.000 livros

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A Livraria Horus, na rua Senador Dantas, foi fundada há 40 anos

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Roberto Seixas Neves, 73: ''Desde os 16 anos, só trabalhei com livro''

 

O inferno astral não dá pinta de arrefecer: em menos de um mês, a terceira livraria do Rio anuncia que prepara o fechamento.

Desta vez é a Livraria Horus, na rua Senador Dantas, fundada em 1975. Roberto Seixas Neves, seu dono desde 1977, resolveu passar o ponto. O contrato de aluguel do imóvel tem mais dois anos de duração, com opção para mais cinco. Ele torce para que outro livreiro se instale ali, mas sabe que é pouco provável.

(A Livraria Horus do Rio não tem ligação com a homônima de São Paulo, alvo de muitas reclamações de consumidores.)

Em maio, a Livraria Leonardo da Vinci divulgou a decisão de encerrar as atividades. Patrimônio da cultura carioca, meca de gerações que buscavam sobretudo livros importados ausentes de outras casas do ramo, foi aberta em 1952.

Dias atrás, a Saraiva anunciou o fim da loja no Village Mall, shopping na Barra da Tijuca.

A Leonardo da Vinci, na avenida Rio Branco, e a Horus ficam no Centro.

A edição 2014 do ''Roteiro das Livrarias do Centro Histórico do Rio de Janeiro'' somou 46 estabelecimentos, entre eles nove sebos.

Houve queda: a versão anterior, de 2012, relacionara 53.

Livraria Horus

Roberto Seixas Neves, 73, começou a trabalhar aos 16 anos, com um tio distribuidor de livros. Esse mundo tornou-se o seu para sempre. Em 1977, ele comprou a Livraria Horus, que havia sido criada dois anos antes por um espanhol. Ainda hoje funciona no mesmo lugar, rua Senador Dantas, 75, loja E.

Em 40 metros quadrados, incluindo mezanino, a Horus tem um estoque de aproximadamente 5.000 volumes. Há dois anos passou a vender também livros usados, mas a imensa maioria da oferta ainda é de novos. Oferece títulos para todos os gostos, ainda que tenha se especializado em livros esotéricos, de autoajuda e religião.

Ao contrário do que ocorre com tantos comerciantes da cidade, seu Roberto não foi atingido pela disparada dos aluguéis. Ele não reclama do valor, R$ 2.000 por mês. O problema é que outros custos subiram muito, e o lucro minguou demais. Um aposentado o ajuda, e o resto do serviço é por conta dele.

A livraria vende metade do que já vendeu, mas seu Roberto não supõe haver menos leitores. ''Eu me descapitalizei'', diz. Significa que lhe faltam condições para tocar uma reforma que pudesse atrair mais fregueses. Uma delas seria criar um café.

Seu Roberto adoraria que outro livreiro assumisse o ponto. Entre os livros mais procurados na Horus estão os espíritas. O livreiro é fã de romances policiais, em especial de Conan Doyle e Luiz Alfredo Garcia-Roza.

Ele pergunta por que o governo, que promove tantas campanhas, não faz uma incentivando os leitores a frequentarem pequenas livrarias. ''Não é dar dinheiro, não. É publicidade, como eu li que o governo britânico fez.''

Porém, não crê que as megalivrarias sejam responsáveis pelas dificuldades das pequenas. Na mesma rua, a Cultura abriu uma loja belíssima, agradabilíssima e gigante, no antigo Cine Vitória. ''Pelo contrário. Quando eles não têm um livro, o pessoal até recomenda vir aqui.''

Com uma filha professora do ensino fundamental e um filho funcionário público, ele é hoje o único da família a trabalhar com livros. Planeja, quando deixar a Senador Dantas, transferir-se para uma sala, onde atenderá clientes fiéis e venderá pela internet.

Quando afixou o cartaz de ''passo o ponto'', no começo do ano, seu Roberto ainda sonhava com uma saída que lhe permitisse permanecer. Há dias, reconheceu que não será possível.

Só aguarda um novo locatário, para fechar e partir, deixando para trás quarenta anos de história.

Livraria Saraiva

Telefonei para a Saraiva no Village Mall. Informaram que funcionará só até o dia 30.

A notícia é uma lástima, mas não deve ser compreendida no contexto da recessão que abala o país e também o varejo de livros.

O Village Mall é um shopping destinado ao consumo de alto luxo, o mais esnobe do Rio. Pouca gente vai lá pensando em livros, ao contrário do que ocorre em shoppings das redondezas, como o Barra Shopping e o New York City Center, onde existem ótimas livrarias.

Livraria Leonardo Da Vinci

Na pior das hipóteses, a Leonardo da Vinci estará aberta até o fim de julho. É o que me contou a proprietária, Milena Duchiade. Ela é filha de dona Vanna, legendária e querida livreira.

A livraria de 63 anos agoniza, mas, que bom, ainda tem chances. Um encontro de Milena e o empresário Omar Peres está marcado para a semana que vem.

Dono da cantina La Fiorentina, no Leme, ele comprou recentemente a Boulangerie Guerin e o Bar Lagoa. Até o fim do ano deve inaugurar um cinema.

Milena disse que foi procurada por Peres, que gostaria de combinar no mesmo espaço a Leonardo da Vinci e uma padaria Guerin.

Tomara que role, o Rio merece.

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