Blog do Mario Magalhaes

‘Manifesto da anti-televisão patafísica’, por Aderbal Freire-Filho

Mário Magalhães

Diretor de teatro Aderbal Freire-Filho: mais de 80 peças em quatro décadas

Aderbal Freire-Filho, artista de tantas artes – Foto divulgação

 

Conduzido por Aderbal Freire-Filho, artista de tantas artes, o programa ''Arte do Artista'' dá nesta semana a largada de sua terceira temporada.

Com entrevistas, conversas, bate-papos, é um dos espaços mais criativos e inteligentes da televisão brasileira. Ostenta, sem ostentação, o cenário mais bem bolado, composto de fragmentos de cenários de peças de teatro que Aderbal dirigiu.

Vai ao ar à meia-noite das segundas-feiras, ou à 0h das terças, com reprise nas sextas às 22h30. Na TV Brasil.

Às vésperas da estreia, Aderbal escreveu um ''Anti-manifesto de 'Arte do Artista''', ou ''Manifesto da anti-televisão patafísica''.

É sacada, é provocação. Sobre televisão, contra redundâncias.

Quer saber o que significa patafísica? Leia o manifesto, reproduzido abaixo na íntegra.

P.S.: o blog respeitou a grafia original do autor para ''anti-manifesto'' e ''anti-televisão''; Aderbal tem razão, creio: as normas do acordo ortográfico, que resultam em ''antimanifesto'' e ''antitelevisão'', roubam vigor de tais palavras.

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Anti-manifesto de 'Arte do Artista'

(ou Manifesto da anti-televisão patafísica)

A televisão nasceu sem preconceito racial: preta e branca.

A anti-televisão já nasceu colorida, logo, contra todos os preconceitos.

A anti-televisão é contra as redundâncias e por isso mesmo seu programa mais conhecido do (sub)mundo se chama Arte do Artista. Que podia se chamar Arte do Artista e da Artista. Para parecer mais redundante ainda, sem ser.

Arte dos Outros é um programa de tv apresentado por Platão, Aristóteles, Sexto Empírico e São Thomas de Aquino e entrevista médicos, militares e até políticos.

O apresentador de Arte do Artista, depois de tentar agarrar a consciência do rei no teatro, entrega a sua própria consciência à armadilha da anti-televisão.

Arte do Artista é regido pelas leis da patafísica, a ciência das exceções e das soluções imaginárias. Em vez de enunciar a lei da queda dos corpos, a patafísica prefere procurar a lei da ascensão do vazio em direção à periferia. O Colégio de Patafísica se declara uma sociedade de pesquisas científicas brilhantes e inúteis.

Arte do Artista está situado geograficamente na Lapa, o ponto maior do mapa do espaço sideral. E moralmente entre o “Chega de Basta”, lema do Pingo, e o “Basta Pum Basta'', manifesto do poeta futurista português Almada Negreiros. E sua bandeira é Manuel Bandeira.

Arte do Artista é um programa de televisão para quem não vê televisão. E também para quem (diz que) só vê na casa da namorada e para quem (diz que) só vê futebol. E, paciência, para quem vê televisão.

Uma anti-entrevista não tem começo, nem fim e nem fins.

Arte do Artista não provoca alergia pois a anti-televisão é antialérgica.

O programa de anti-televisão Arte do Artista saúda seus santos selvagens e sublimes sábios com todos os esses sem erres.

Salve o filósofo catalão Ramon Llul, do século XIII, inventor da Máquina de Pensar, que inspirou a Máquina de Pensar Arte, ou Máquina de Pensar/te!

Salve Borges, que descobriu o Aleph, um círculo de dois centímetros e meio, através do qual se vê tudo que aconteceu e acontece no mundo! O Aleph foi descoberto em um velho casarão de Buenos Aires, hoje demolido, e foi redescoberto no cenário de Arte do Artista!

Salve Alfred Jarry, criador de dois personagens fundamentais para a história da humanidade, o Pai Ubu e o dr. Faustroll!

Salve o grande Faustroll, que nasceu em 1898, com a idade de 63 anos, e a quem se deve a invenção da patafísica!

Salve Pasolini, cujo tratado “Contra a televisão” está na origem da anti-televisão e da famosa aliteração “Pasolini pegando pesado”!

Salve João de Minas, que concebeu em seu romance “A mulher carioca aos 22 anos”, escrito em 1934, o insuperável corrupto, dr. Eusébio Cortes, dono do jornal “A Honra Nacional”!

Salve o Mahatma Patiala, profeta do Comunismo Cristão Científico, candidato a deputado pelos xavantes e cuja doutrina se resume na frase “o universo está errado, a mulher é que está certa”!

Salve Campos de Carvalho, que descobriu a vaca de nariz sutil!

Salve o Barão de Itararé e Rabelais, que criaram a rima em é!

Salve Diniz Machado, Fradique Mendes, a Padaria Espiritual, os cachorros kantianos Seilá e Sambudo, Raul Seixas, Augusto Pontes, Nelson Rodrigues, Hilda Hilst, Hermilo Borba Filho, Felisberto Hernandez, Cortazar, Macedonio Fernandes e Eduardo Mateo!

Salve São Francisco de Assis, creme de papaia com cassis, a cidade ítalo-paulista de Assis e sobretudo salve, salve Machado de Assis!

Salve as artistas e os artistas!

Salve o atormentado Hamlet; a baleia Moby Dick; as carpideiras centenárias; o onipresente Molero; Jacinta, a pior atriz do mundo; o púcaro búlgaro; Orfeu; o bebê; o dilúvio; Ulisses depois do filme; que deixaram suas marcas gravadas a ferro e fogo paulista no cenário de Arte do Artista.

Salve o sifilítico Boris Estrabão, filósofo, crítico de arte e vândalo, procurado vivo ou morto. Enquanto seu ilustre predecessor, o geógrafo grego Estrabão, nasceu em Amaseia, atual Amásia, na Turquia, Bóris nasceu no Vale do Jequitinhonha, onde teve concubinas, atuais amásias na Turquia, na Bahia e na sua própria moradia, pois sua filosofia é a poligamia. Boris Estrabão não tem papas na cara, nem vergonha na língua, frequenta a Câmara dos Lordes nu e campos de nudismo de paletó e gravata. Aluno dos maiores filósofos ocidentais e orientais, Boris Estrabão não aprendeu nada, misturou tudo e tem falsa cultura para não dar e vender fiado só amanhã. É especialista em tudo: teatro, cinema, poesia, música, artes plásticas, culinária, futebol, política, economia, besteira, corte e costura, redes sociais, redes artesanais do Ceará e sobretudo em etc.

Salve Macunaíma, o grande anti-herói nacional

Tupi or not tupi, Catumbi or not Catumbi, zumbi or not zumbi.

Travesti and not travesti. Compulsory.

Só um anti-instituto de pesquisa pode medir o verdadeiro alcance de um anti-programa de tv.

Maio/2015

Aderbal Freire-Filho / Boris Estrabão