17 heróis: policiais se negam a bater em professor, são presos e dão lição
Mário Magalhães
Quem disse que os porteiros de Auschwitz não tinham escolha?
Que os médicos de salas de tortura não poderiam se recusar a estar ali?
Que soldados não têm chance de recorrer a objeções de consciência para não massacrar os mais fracos?
Que taxista carece do direito de se negar a rodar com o taxímetro adulterado pelo dono da frota?
Que funcionário de empresa privada e funcionário de companhia pública devem fingir que não veem assaltos ao patrimônio público?
Que jornalistas não têm como se rebelar contra a manipulação inescrupulosa de informações?
Sim, é possível dizer não.
Eis a lição dos pelo menos 17 policiais militares do Paraná que ontem disseram não à ordem de atacar milhares de professores que protestavam contra a iminente retirada de direitos seus pela Assembleia Legislativa.
A Polícia Militar informou que esses policiais foram presos por se recusar a participar do ''cerco'' contra os mestres em greve.
''Cerco'' é eufemismo. Não se tratava de cercar, bem sabiam os 17.
A PM avançou contra os professores empregando cão pitbull. Um dos cachorros mordeu um cinegrafista da Band.
Quais são os valores de uma corporação que lança pitbull contra professor e jornalista?
Atiraram com bala de borracha mirando a cabeça.
Bala de borracha pode matar, ferir gravemente, deixar sequelas.
Um chefe mandou bater com o cassetete por baixo, para evitar imagens.
Os professores só queriam assistir à sessão da Assembleia que tornaria ainda mais difícil a vida dos trabalhadores da educação.
Os PMs jogaram bombas de gás que afetaram até crianças em uma creche vizinha.
Saber que há creche ao lado e lançar gás configura selvageria imoral.
É mais digna a retirada do que maltratar criança.
Os 17 do Paraná disseram não a tudo isso.
Pobre do país que precisa de heróis é uma boa tirada, mas circunscrita a circunstâncias.
Miserável é a nação que ergue monumentos para heróis de fancaria.
Como disse noutra quadra um grande cronista, o povo urina nos heróis de pedestal.
Os 17 PMs honraram a promessa de proteger os cidadãos.
E periga serem os mais atingidos pela truculência do governo Beto Richa.
A quarta-feira sangrenta deixou centenas de professores feridos em Curitiba.
Mas também legou a lição de 17 policiais que são heróis brasileiros.
P.S. 1: o post acima foi baseado em reportagem do ''Estadão Conteúdo''. Tal reportagem foi reproduzida ou noticiada pelo UOL, ''Veja'', ''Gazeta do Povo'' e outros portais e publicações. De acordo com o ''Estadão Conteúdo'', a origem do relato sobre a prisão de policiais que se recusaram a participar do ''cerco'' aos professores foi a própria Polícia Militar do Paraná. Nesta quarta-feira, uma porta-voz da PM afirmou que não procede a informação sobre prisão de policiais. E que nenhum deles teria se negado a participar da operação contra os manifestantes. Quando houver mais informações sobre as versões da PM e o que realmente ocorreu, o blog voltará ao assunto (quinta-feira, 30/04/2015, às 16h04).
P.S.2: os fatos indicam que os policiais heróis no Paraná não passaram de sonho de um dia de outono. O ''Estadão Conteúdo'' havia divulgado que a informação sobre a prisão de 17 PMs, por se recusarem a participar de ''cerco'' contra os professores na quarta-feira, tinha como fonte o comando da Polícia Militar do Estado do Paraná. Mas a PM negou. E não surgiu até agora qualquer relato específico sobre policial que tenha dito não à pancadaria contra os professores em Curitiba. Mais informações estão no post recém-publicado pelo blog (leia-o aqui). Seria jornalisticamente errado e intelectualmente desonesto apagar o post acima. A opinião do blog é verdadeira. A notícia, ao que parece, é que não era (sexta-feira, 01/05/2015, às 10h52).