Blog do Mario Magalhaes

Paulo Brossard: o encanto do tribuno (ou o meu primeiro debate)

Mário Magalhães

Nestor Jost (à esq. só na foto) e Paulo Brossard: debate em 1974 – Fotos RBS TV/Rede Globo

 

Fazendo aqui as contas, do mais velho ao mais novo, o Érico Verissimo tinha 68 anos, o Nestor Jost, 57, e o Paulo Brossard, 50. Eu tinha dez.

Aconteceu em setembro do ano 74 do século passado. Eu já havia visto nas ruas cartazes com fotografias de guerrilheiros procurados, sem saber que os vilões eram os que procuravam. Ouvira um comentário simpático da vó sobre o Médici, general que governara sem ter recebido um só voto popular.

Mas a lembrança remota mais marcante da política foi o debate pioneiro na TV Gaúcha entre os dois candidatos ao Senado pelo Rio Grande do Sul. Nestor Jost, veterano mandachuva do Banco do Brasil, representava a Arena, o partido do sim, senhor. O ex-deputado Paulo Brossard vestia a camisa do PMDB, a agremiação do sim.

Só eram permitidos os dois partidos, impostos goela abaixo pela ditadura, que exterminara os outros. A Arena encarnava a situação. O PMDB, a oposição moderada ou às vezes nem isso.

Aos olhos de um menino fascinado pela retórica do Brossard, separava-os uma distância maior que a entre o Rio, de onde eu acabara de chegar, e as bandas para os lados do Uruguai, onde começava uma temporada que se estenderia por uma década.

O Nestor Jost estava longe de ser um parvo. Na minha memória de guri, talvez traiçoeira, permaneceu a imagem de cavalheiro perspicaz, sabido, civilizado. Nada a ver com a tortura, o morticínio e a maldade que campeavam por obra do regime de verdugos que ele defendia.

Mas não dava para encarar o Brossard. Primeiro, porque, por mais que medisse substantivos e adjetivos para não se encrencar ou por convicção (nem falava a palavra ditadura), eram dele as flâmulas de democracia e liberdade.

Depois, porque o tribuno era um assombro. Para muita gente, ganhou a eleição naquele dia, na lábia, embora a Arena também tenha levado uma camaçada de pau país afora.

O doutor Paulo, como o chamavam, era tão carismático que no futuro, ao ouvir velhas gravações de oradores brilhantes da República, como Carlos Lacerda (o mais talentoso), Almino Affonso, Adauto Lúcio Cardoso e Leonel Brizola, eu me recordaria da sua verve no debate.

Ele gesticulava feito italiano e bradava como maragato, a valente turma gaudéria que estava em seu código genético. Respaldara o golpe contra o Jango, mas logo mudou de trincheira. Liberal à antiga, o jurista confrontou a ditadura. Nascera em Bagé, como o Médici. Varrido o último ditador, o ex-senador foi ministro da Justiça e do Supremo. Morreu outro dia, aos 90 anos.

O debate de 1974 influenciaria o governo Geisel a baixar dois anos mais tarde a Lei Falcão, restringindo a expressão na já sufocada propaganda eleitoral televisiva. Passaria muito tempo e ventaria muito vento para ser possível reeditar na TV um duelo épico como aquele.

E o Érico Verissimo com essa história? Lá pelas tantas do debate, o Brossard leu uma carta de apoio. Ao final, proclamou com orgulho o nome do signatário, o magnífico escritor. Entendi que era coisa pra caramba. E ainda nem fora apresentado à Bibiana, à Ana Terra, ao Rodrigo e ao Toríbio.

(O blog está no Facebook e no Twitter )