Blog do Mario Magalhaes

Já doente, Galeano quis rever o mar do Rio

Mário Magalhães

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O tempo é um abusado, e o Eduardo Galeano aprontou das suas até o fim. No domingo 13 de abril de 2014, estivemos juntos em Brasília num bate-papo sobre futebol e ditaduras na América Latina. Pois não é que o castelhano inventou de morrer um ano depois, nem um dia a mais ou a menos, nesta sombria segunda-feira 13 de abril de 2015?

No ano passado, na Bienal Brasil do Livro e da Leitura, falei pouco, encantado com o uruguaio e suas histórias de escriba e torcedor. Grande contador de causos, ele tabelou com o Lúcio de Castro, colega a quem o jornalismo esportivo tanto deve. O bate-bola foi tão bom que eu nem lamentei ter perdido a decisão contra o Vasco que valeu ao Flamengo a faixa de campeão estadual. Deixei o brinde para mais tarde.

Se eu tivesse escrito o obituário do Galeano, estamparia o título “O homem que amava o futebol”. De tudo que ele contou e observou em seus livros, nenhum olhar foi mais original que a reverência pelo esporte outrora tido como bretão.

Menosprezado por muitos bacanas ao se converter em paixão popular, o futebol era desclassificado por certas consciências como o ópio do povo, ou a distração que impediria os pobres de alcançar o paraíso. Nas goleiras à direita e à esquerda, espalmavam-no como passatempo desprezível.

O Galeano escreveu sobre o futebol com a mesma devoção com que torcia pelo Nacional, de Montevidéu, seu clube de coração. Legou um clássico, “Futebol ao sol e à sombra”, cuja dedicatória eu garanti, como se vê na imagem reproduzida no alto, com os habituais porquinho e bola desenhados pelo autor.

Foi um prazer ouvi-lo, com o charme do português fronteiriço de acento espanhol, lembrar os encontros com o doutor Sócrates. O craque da bola só queria falar de política, e o craque das letras que muito tratou de política só queria saber de bola.

A tarde só não foi melhor porque o fatigado conterrâneo do Ghiggia já sentia, como numa prorrogação, os maus-tratos do tempo _e do câncer. E sabia, aposto, que o apito derradeiro não demoraria. Homenageado da bienal, pedira aos anfitriões, meio de brincadeira, meio a sério, para não o matarem de cansaço. Multidões de leitores o aclamaram com a gratidão de que os leitores generosos são capazes.

O uruguaio vinha recusando convites para convescotes literários em todo o mundo. Só aceitou nos visitar com uma singela condição: que ele e a mulher, depois de Brasília, viajassem para o Rio e se hospedassem diante da praia. Queria ainda uma vez rever o mar da cidade que adorava.

Seu desejo foi atendido.

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