Blog do Mario Magalhaes

Quem permite um símbolo de tortura e extermínio ao lado aceita a barbárie

Mário Magalhães

blog - vovô metralha

 

Não digo, evidentemente, que a imensa maioria das centenas de milhares de manifestantes que clamaram domingo pelo ''fora, Dilma'' seja partidária da tortura, do extermínio e da covardia como forma de tratamento aos que divergem de sua opinião.

Nem que seja favorável a ditaduras sangrentas, nas quais a única opinião autorizada, na avenida Atlântica ou na Paulista, é a do governo de plantão.

Ou que as multidões expressivas, embora bem menores que as de um mês atrás, encarnem em conjunto as vivandeiras manjadas, a implorar às Forças Armadas que sufoquem a soberania do sufrágio popular.

Não, não pronuncio tal tonteria.

Mas aponto um fato: quem protestou ontem se associou a um raciocínio segundo o qual é inaceitável que a presidente constitucional permaneça na função para a qual foi eleita, porém é aceitável que participe dos atos públicos, lado a lado, um policial veterano que simboliza a tortura, o extermínio e a covardia.

Os oposicionistas expulsaram ontem, com palavrões e ameaças de agressão física, cidadãos que solitariamente declararam pensar diferente.

Já o homem de capacete na foto lá do alto, Carlos Alberto Augusto, foi reverenciado como herói por muita gente.

Ou aceito, como camarada de jornada, por quem saiu de casa para desfraldar suas bandeiras.

Ninguém sugeriu que ele fosse afastado da manifestação em São Paulo.

Conhecido como Carlinhos Metralha, o policial foi agente da polícia política na quadra mais sombria da ditadura. No Dops paulista, barbarizou como tira de confiança do delegado Sérgio Fernando Paranhos Fleury, um famigerado torturador e assassino em série.

Metralha esteve com Fleury em uma operação de extermínio na qual seis militantes foram presos em Pernambuco, em 1973. Sob custódia de uma turma do Dops, acabaram executados.

Entre os mortos estava uma guerrilheira grávida, a paraguaia Soledad Barret Viedma. Moça linda, ela foi entregue pelo próprio namorado, o dito Cabo Anselmo, infiltrado que operava sob as ordens de Fleury e Metralha.

O pessoal que gritou ontem contra a ex-guerrilheira Dilma Vana Rousseff considerou-se à vontade para, no essencial das palavras de ordem, abraçar o repressor sinistro, agora acarinhado como Vovô  Metralha por seus novos chapas.

Assim como, em contraste com o ''fora, Dilma'', assistiu-se a um ''fica, Bolsoraro'' _em matéria de aversão à democracia, o deputado aclamado nas ruas é tampinha perto do antigo capanga de Fleury.

A esta altura, não dá para alguém dizer que ignora a presença de Metralha nos protestos, tamanha a repercussão que teve em 15 de março seu discurso, saudado por aplausos ensurdecedores.

Muito menos a de Bolsonaro.

É insustentável falar que nada tem a ver com Carlinhos Metralha.

Quem marcha ao seu lado tem sim. Mostra-se intolerante com a decisão das urnas, mas imensamente tolerante com um símbolo da tortura como política de Estado.

Quando a cara da maldade é bem-vinda, qualquer discurso a favor da liberdade e da democracia é desmoralizado.

Nos tempos de Carlinhos Metralha, manifestações democráticas, em que é assegurada livre expressão, eram proibidas.

Soledad Barret Viedma não pode mais participar de protestos.

Reitero, não se trata de gostar ou não do governo Dilma.

Mas de ser intolerante com quem passou pelo pau-de-arara e pelos choques elétricos.

E desfilar faceiro com quem era agente destacado do campo de concentração e morte denominado Dops.

Se a impunidade não vigorasse no Brasil, o senhor Metralha estaria em cana, pagando pelas violações imprescritíveis que cometeu contra os direitos humanos.

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