51 anos após o golpe, impunidade e desigualdade são heranças da ditadura
Mário Magalhães
O Brasil de 2015 é profundamente marcado por duas heranças nefastas: a da escravidão que vigorou por quase quatro séculos e a da ditadura que se estendeu de 1964 a 1985.
As obscenidades do último regime escravagista a ser abolido na Terra determinam ou influenciam a desigualdade em suas diversas expressões, inclusive a violência, que castiga sobretudo pobres e negros, e a impunidade, que protege ricos e brancos. Há mais democracia e cidadania para uns do que para outros.
A maior desgraça do país, origem e resultado de muitos males, é a desigualdade.
Ela não foi inventada pela ditadura instaurada com a deposição do presidente constitucional João Goulart. Mas os governos que mandaram por 21 anos a reciclaram, mesmo no período de vigoroso crescimento da riqueza _o bolo fermentou, em especial no princípio da década de 1970, mas as mesmas panças se apropriaram dele.
A violação dos direitos humanos foi outra característica distintiva da ditadura, legítima herdeira dos senhores de escravos e do pau-de-arara que castigavam quem se rebelava contra a tirania.
Os agentes que prenderam à margem da lei, torturaram, assassinaram cidadãos sob custódia do Estado e desapareceram para sempre com corpos de oposicionistas jamais foram julgados e punidos (ao contrário do que ocorreu com militantes que combateram a ditadura).
Assim como é continuado o crime de desaparecimento forçado _os cadáveres seguem sumidos_, a impunidade se perpetuou, portando uma mensagem: podem barbarizar de novo, que nada ocorrerá com quem sufoca a liberdade, estupra, tortura, mata e comete outras atrocidades.
Revisitar as heranças da ditadura não é um exercício acadêmico, mas condição para entender muitas tragédias do Brasil de hoje.
Quanto mais a desigualdade e a impunidade prosperam, mais ecoam os tempos da ditadura.
Quanto mais diminuem, mais distante fica o passado sombrio.
Quem conspira pela desigualdade e pela impunidade reverencia a ditadura.