Agora no Brasil, guia Michelin constrange ranking da revista ‘Restaurant’
Mário Magalhães
Mesmo quem não acompanha de perto o pequeno mundo da alta gastronomia costuma ficar com uma pulga atrás da orelha quando são anunciados os rankings anuais da revista ''Restaurant''.
A publicação inglesa organiza uma votação em que são escolhidos por centenas de jurados os 50 melhores restaurantes do planeta.
Na mais recente, entre os dez top, havia dois estabelecimentos da Inglaterra, dois dos Estados Unidos e nenhum da França.
Isso mesmo: nenhum.
O paulistano D.O.M. conquistou a sétima posição global.
De acordo com a eleição promovida pela ''Restaurant'', nenhum restaurante francês supera o de Alex Atala.
É possível levar a sério uma seleção em que nenhuma casa de pasto do país do ratinho Rémy, o cozinheiro do filme de animação ''Ratatouille'', prevalece sobre as melhores da terra do fanfarrão Jamie Oliver?
Pois há quem leve, a considerar o oba-oba que é feito em torno dos mais-mais da ''Restaurant''.
Que também, ou sobretudo, é business, valorizando certas cozinhas nacionais em detrimento de outras.
A seu favor, registre-se que há uma década vem prestando um serviço cultural ao reconhecer a excelência de chefs bascos e catalães.
E ao chamar a atenção para culinárias de grande valor como a peruana e a brasileira.
Mas ao tratar os franceses como tratam, é porque o negócio conta mais do que o paladar.
O ranking da ''Restaurant'' de certo modo concorre com o mais tradicional guia gastronômico, o ''Michelin'', justamente da França.
E que agora chega ao Brasil, abarcando exclusivamente Rio e São Paulo.
Seus inspetores, afamados pelo rigor, por mais que gosto seja subjetivo, concederam na edição 2015 o total de 26 classificações três estrelas em toda a França. É a cotação máxima.
Pois no Brasil ninguém conseguiu a nota mais alta no guia Michelin. (E aí, ranking da ''Restaurant''?)
Com duas estrelas, destacou-se justamente o D.O.M., reconhecendo o talento de Atala e sua admirável disposição para ousar, recorrendo a tradições especialmente amazônicas que a haute cuisine costuma ignorar.
Com uma estrela, aparecem dez casas de São Paulo e seis do Rio.
Rogério Fasano, empreendedor consagrado no ramo, explicou com serenidade as nossas limitações: falta-nos matéria-prima à altura dos restaurantes europeus, do queijo apropriado a determinadas receitas à carne mais saborosa.
Em suma, quem quiser acreditar que temos cozinhas melhores que a da Maison Troisgros, em Roanne, que acredite.
Se a chegada do guia Michelin deve ser saudada, por ser uma referência com credibilidade, há problemas notórios na edição (as indicações foram divulgadas, mas o volume ainda não está à venda).
O guia oferece sugestões no quesito bib gourmand, combinação de qualidade com preços não salgados.
Dos oito restaurantes do Rio mencionados como tendo boa relação custo-benefício, coincidentemente há dobradinhas de dois grupos. O Miam Miam e o Oui Oui têm os mesmos donos e administradores. Idem o Artigiano e o Pomodorino.
Uma cidade do tamanho do Rio, e dois grupos emplacam duas casas cada um num conjunto de apenas oito dicas. Coincidências acontecem.
E o Entretapas talvez tenha sido visitado antes da minha última ida lá. Da antiga rica oferta de cavas, o espumante catalão, agora só há um rótulo disponível. Lulas foram oferecidas _e devolvidas_ borrachudas, como preparadas por amadores. Talvez a má fase seja decorrente da abertura de novos negócios, com a consequente transferência de profissionais experimentados _o Ibérico, restaurante do grupo no Jardim Botânico, é muito bom.
Dos seis detentores de uma estrela no Rio, há os que de fato a merecem, como o Olympe e o Roberta Sudbrack. Está de parabéns o guia Michelin por ter premiado com estrela o Le Pré Catelan, que não costuma ser badalado à altura de sua provável condição de melhor restaurante de alta gastronomia na cidade.