Blog do Mario Magalhaes

Campeã do Carnaval 2015, Beija-Flor é alvo de indignação seletiva

Mário Magalhães

É mesmo o fim da picada: um ditador cabeça de uma ditadura sanguinária desembolsou milhões para a Beija-Flor falar bem da Guiné Equatorial, omitindo todas as mazelas do país africano, como as gravíssimas violações dos direitos humanos, sobretudo a tortura disseminada que atinge também opositores políticos.

A escola de Nilópolis acaba de conquistar o título de campeã do Carnaval do Rio, depois de um desfile caracterizado pela opulência, assegurada pela dinheirama ofertada pelo ditador que está entre os governantes mais ricos do planeta.

E, é claro, com os méritos do gigantesco talento dos artistas da agremiação da Baixada.

Há 32 anos no poder, o tirano Teodoro Obiang Nguema Mbasogo comprou um desfile, com valores que nem seu governo nem a Beija-Flor informam.

Dos quatro jurados do quesito enredo, três presentearam a campeã com nota 10, assegurando aproveitamento 100% (a nota menor, 9,9, foi descartada).

De fato, um vexame.

O que me incomoda é a bronca seletiva com a escola do intérprete _puxador é ladrão de carro, já dizia o Jamelão_ Neguinho.

O que as pessoas acham que é o mundo das grandes escolas de samba do Rio?

Uma coisa é sua enorme importância para a cultura e a arte do Brasil, a influência nos nossos costumes, os prazeres que nos oferecem.

Outra é o poder.

Ou ninguém sabe que o homem mais poderoso do Carnaval nas últimas décadas, à frente da liga das escolas, foi Aílton Guimarães Jorge, vulgo Capitão Guimarães?

Torturam na Guiné Equatorial, é verdade.

E o capitão Guimarães, oficial do Exército, era torturador no Destacamento de Operações de Informações do I Exército, no Rio, nos anos de maior crueldade da ditadura.

Quem é o capo hoje da Mocidade Independente de Padre Miguel? Ele mesmo, o autointitulado ''empresário'' Rogério Andrade.

Andou preso, em virtude das investigações sobre a guerra entre máfias do caça-níquel.

Seu primo Paulinho Andrade, filho do falecido bicheiro Castor, morreu. Morreu, não: foi morto. Como? A tiros.

Mais tarde, um atentado a bomba matou o filho, um menino de 17 anos, de Rogério Andrade. Vingança?

Seria outro olhar seletivo falar só da Mocidade.

É papo do Boitatá contar que a ''contravenção'' domina tantas escolas.

Em torno da ''contravenção'' do jogo do bicho se organiza o crime, já denunciaram e provaram numerosos promotores de Justiça.

Desfile cretino nunca faltou, inclusive celebrando ditadores como Getulio Vargas, sem citar o que os seus beleguins faziam nos porões da tortura e esquecendo Olga Benario.

É muito triste ver a Beija-Flor vencer assim.

Mas não é novidade: nos anos 1970, a escola bajulava a ditadura brasileira.

Do ponto de vista do ditador africano, o crime compensa.

Aqui também, nesta quarta-feira digna de cinzas, mas isso não é exclusividade da Beija-Flor.

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