Balas ‘perdidas’ disparam e UPPs patinam, mas RJ corta R$ 1,4 bi da polícia
Mário Magalhães
Um adolescente de 16 anos ferido horas atrás num tiroteio no complexo do Alemão pode ser a 18ª vítima das ditas balas ''perdidas'', na região metropolitana do Rio, nos últimos doze dias. Como se sabe, ''bala perdida'' é a expressão imprópria empregada nos casos de pessoas alvejadas sem que tivessem participação no confronto (leia aqui, na reportagem de Marcello Victor).
Dos 17 ou 18 baleados, três morreram, entre eles duas crianças.
Ao mesmo tempo em que mais inocentes viram alvo, o projeto das Unidades de Polícia Pacificadoras faz água, a considerar o seu alegado propósito de sufocar os bandidos que dominam favelas e bairros.
A morte da jovem Adriene Nascimento, 21, na Rocinha, durante troca de tiros entre policiais militares e traficantes, é exemplo da crise das UPPs: as autoridades do Rio haviam comemorado no passado o fim de ações armadas do tráfico na mais populosa favela carioca.
Diante dos reveses da sua política de segurança, o governo do Estado, em vez de reforçar o investimento nas iniciativas em que aposta, acaba de cortar R$ 1,4 bilhão previsto para a Polícia Militar e a Polícia Civil em 2015. É o que informa o repórter Luiz Ernesto Magalhães (aqui).
Só na PM, que concentra as atividades das UPPs, o arrocho será de R$ 1,2 bilhão, ou 26% do borderô previsto para a corporação neste ano.
Tecnicamente, houve congelamento de R$ 1,4 bilhão, e não subtração definitiva do orçamento. Na prática, a Secretaria de Estado de Segurança não pode contar com as verbas antes previstas.
O secretário José Mariano Beltrame apontou ontem a existência de uma ''nação de criminosos'' que se criou no Rio nas décadas recentes. E enfatizou que o combate ao crime não é atribuição exclusiva do Estado.
O que o secretário não contou foi a percepção crescente entre sua equipe _isto é informação, não suposição_ de que o projeto das UPPs tem uma deficiência insuperável: funciona em pequenas comunidades, como a favela Santa Marta, mas fracassa na imensidão do Alemão, complexo onde vivem em torno de 70 mil habitantes.
Outro problema grave _e ignoro se o governo tem a mesma impressão_ é a cultura bélica da PM, que tornou as UPPs um projeto de ocupação de território hostil, no qual os moradores, mesmo que não oficialmente, são identificados como bandidos ou potenciais aliados de bandidos. Essa cultura repressiva contribui para os abusos e crimes de autoria de policiais das UPPs que tratam trabalhadores como se fossem traficantes.
O episódio mais eloquente foi o da tortura e morte do pedreiro Amarildo, na Rocinha, em 2013. (A propósito, o major Edson Santos, cria do Bope e hoje preso, poderia _tentar_ explicar o conteúdo dos telefonemas em que PMs combinam ocultar suas responsabilidades na eliminação de Amarildo.)
Outra dificuldade de Beltrame é que as UPPs cresceram por necessidade política, sem que houvesse contingente e estrutura para a expansão.
Para não falar da ausência, além dos discursos, de um efetivo programa social em lugares onde a pobreza e a precariedade de serviços públicos impressionam.