Blog do Mario Magalhaes

‘Amarelinha no peito ou verdinhas no bolso?’, por Anderson Olivieri

Mário Magalhães

Reprodução do "Jornal de Brasília"

Reprodução do ''Jornal de Brasília''

 

Boa notícia: o grande cruzeirense Anderson Olivieri retomou nesta terça-feira sua coluna ''Gol de Letra'', no ''Jornal de Brasília'' (aqui).

O blog tem a honra de compartilhá-la abaixo.

Não custa reiterar: as opiniões são do Anderson.

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Amarelinha no peito ou verdinhas no bolso?

Por Anderson Olivieri

Há alguns meses, conversei com Piazza, ex-volante cruzeirense, e ouvi algo que me chamou a atenção. Naqueles tempos de Pelé, a briga por uma vaga na seleção brasileira era quase tão acirrada como por um cargo público efetivo hoje. Piazza contou-me que sua primeira luta era por um lugar entre os 22 de João Saldanha. Conseguiu. Depois, com a queda do comunista, a briga era para estar entre os eleitos de Zagallo, técnico escolhido pela então CBD. Conseguiu também. Iniciada a fase de preparação para o mundial do México, o empenho concentrava-se em figurar entre os 11 titulares. Até de atacante jogaria, disse-me. Conseguiu de novo. Escalado entre os 11, passou à última batalha daquela guerra: conseguir atuar na posição de origem, aquela que o consagrou na Raposa e o levou à Seleção. Não conseguiu. Piazza foi recuado por Zagallo e jogou o mundial inteiro de zagueiro, ao lado de Brito. O que, claro, não lhe tirou o encanto. Ainda mais porque se tratava da seleção de 70, laureada como a maior de todos os tempos.

Enfim, esta é só uma história que ilustra bem como havia, entre os jogadores, tesão pela amarelinha. Lutava-se por tudo que se referia ao escrete canarinho – desde uma vaga entre os convocados até a escalação na posição de ofício. Eram tempos de amor, de fascínio pela seleção. Nada, alvo nenhum era maior do que o de vestir aquela camisa. Eram tempos, dizem, em que o nobre sentimento valia mais que o cobre. Mas será mesmo? Havia de fato todo esse desapego ao material e devoção ao sagrado manto verde e amarelo?

Este debate voltou à tona na última semana impulsionado pela facilidade com que jogadores atuais trocam o sonho da Seleção por petrodólar e ching-ling money. Três jogadores do time de Dunga – Diego Tardelli, Ricardo Goulart e Éverton Ribeiro – deixaram seus clubes para se aventurar nos mundos árabes e chinês. O primeiro, estrela do Atlético-MG, não pensou duas vezes. Foi para o quase impronunciável Shandong Luneng ganhar algo em torno de R$1 milhão por mês. Ricardo Goulart tomou o mesmo rumo, mas para defender o Guangzhou Evergrande. Como recompensa ao árduo desafio de enfrentar cultura chinesa, vai receber R$1,1 milhão por mês. O novo clube de Goulart ainda deixou, nos cofres do Cruzeiro, 15 milhões de euros. Já Everton Ribeiro, craque do campeonato brasileiro pelo segundo ano consecutivo, transferiu-se para Al Ahli, de Dubai. Também vai por um caminhão de dinheiro. Nenhum deles se importou com a consequência maior de suas escolhas. A chegada aos novos clubes representa o adeus à Seleção Brasileira. Mas quem se importaria? Sejamos francos – ninguém. Ou quase ninguém.

É lindo, nostálgico, romântico ver a paixão dos homens do tempo de Piazza pela amarelinha. Ouvir histórias como a narrada nas primeiras linhas desta coluna enche a alma de saudade. O encanto quase lúdico que se guarda desses tempos, porém, não pode ser transformado em arma moralista a ser apontada contra os que hoje se rendem ao direito de garantir a tranquilidade financeira de filhos e netos em troca do orgulho de defender a Seleção. Na excelente biografia de Garrincha, escrita por Ruy Castro, consta passagem de um episódio revelador.  O Anjo das Pernas Tortas sentia-se desprestigiado pelo Botafogo, com salário defasado, quando surgiu proposta da Juventus de Turim. Não teve amor à camisa do Glorioso que impedisse Garrincha de aceitar a proposta. O eterno camisa sete só não foi porque o Botafogo bateu o pé e não vendeu o passe para o clube italiano. A transferência poderia ter sido o fim da história dele com a amarelinha, como foi para Julinho enquanto esteve fora do país.

Enfim, o que distingue as épocas não é a paixão pelo clube ou seleção, que, dizem, havia naqueles tempos, mas a dinheirama que rola nestes dias e, felizmente, não rolava nos tempos românticos. Aliás, que dinheiro no mundo pagaria o que de fato valiam Pelé, Garrincha, Didi…? Pois cravo: nem toda riqueza dos sheiks árabes pagaria.