Blog do Mario Magalhaes

Cultura nazistoide no comando do Bope e do Batalhão de Choque. Surpresa?

Mário Magalhães

blog - caveiras bope marco antonio cavalcanti

''Mata!'', prescreveu um comandante do Bope – Foto Marco Antônio Cavalcanti/UOL

 

Na noite de 20 de junho de 2013, encurralando manifestantes estimados em 300 mil, a Polícia Militar do Rio de Janeiro bateu e reprimiu como poucas vezes em sua história respingada de sangue e truculência. Na esmagadora maioria dos casos, atacou cidadãos que exerciam pacificamente o direito constitucional de protestar contra o aumento das passagens de ônibus e abraçar  causas tão múltiplas quanto os fragmentos de um caleidoscópio.

O Batalhão de Choque destacou-se na covardia. Seu comandante era o tenente-coronel Fábio Almeida de Souza.

No princípio de 2014, esse oficial havia se tornado o número 1 do Bope, o Batalhão de Operações Especiais.

Costumava trocar mensagens, via Whatsapp, com PMs de sua confiança.  Tratavam também de combate a manifestantes.

Um major sugeriu o emprego de um bastão denominado Tonfa, para ''imobilização''.

''Mata! Assim imobiliza para sempre'', emendou o tenente-coronel Fábio.

O capitão Helinton voltou a falar em Tonfa, e Fábio retrucou:

''Tonfa é o c…! 7.62 [calibre de munição de fuzil] Mata eles tudo… Para com isso, Adriano. No Bope tem um cara f… que quase ninguém sabe. Tiro em todo mundo. Faz que nem o Senhor Rufino. Baleou 10. Pratica estrangulamento e tiro em multidões''.

Em contextos semelhantes, quando um comentarista identifica o ovo da serpente, ecoam as vozes tolerantes com a barbárie: é exagero delirante falar em nazismo, apelação desprovida de lastro nos fatos…

O tenente-coronel Fábio e um camarada esclarecem quem exagera.

Fábio: ''Porrada, paulada, tonfada, fuzilzada, mãozada. Abril de 2015. O Chanceler assume o poder. O Partido''.

Um certo Gilberto: ''Coronel Fábio pela instauração do Reich''.

''Isso'', confirma o então comandante do Bope.

Noutra conversa, Fábio ''desenhou'', para quem não entendeu o seu modelo já evidente: ''Padrão Alemanha de 1930''.

Sua turma prosseguiu:

Capitão Sanches: ''A favor da inquisição, vamos caçar bruxas e fantasmas [na PM]. Pela raça pura e sem defeitos. Viva o Choque''.

Um homem não identificado: ''Então, que seja feita a vontade da maioria''.

Capitão Gilberto: ''Não é a vontade da maioria. É o certo. É a vontade do Führer''.

O tenente-coronel Fábio vaticinou: ''Em abril de 2015 assumirei o controle da PMERJ. Está nas escrituras''.

E vangloriou-se da covardia contra um manifestante black bloc: ''Na última manifestação q fui dei de AM640 [lançador de munição dita não letal] inferno azul nas costas de um black bobo no máximo 30 metros!!! Que orgulho!!!''.

Documento histórico

Talvez as escrituras fizessem sentido, mas no meio de caminho havia um repórter, Leslie Leitão, que descobriu os diálogos e os publicou na ''Veja'' (leia aqui a reportagem ''Oficiais da PM do Rio incitaram pancadaria contra black blocs''). Os trechos reproduzidos pelo blog foram  veiculados pela revista.

Eles constam de inquérito que corre na corregedoria-geral da PM. A investigação não apura o caráter nazistoide dos pronunciamentos, mas um atentado a bala contra a portaria do condomínio onde morava o coronel Márcio Rocha, sucessor de Fábio de Souza no Batalhão de Choque. Fábio e seus chapas tinham Márcio Rocha como adversário na corporação.

Fábio passou do Choque para o Bope ainda em 2013. Em março de 2014, deixou a alegada ''tropa de elite'' para assumir a chefia da escolta do secretário de Segurança, José Mariano Beltrame. Em novembro de 2014, com a indicação de um novo comandante da PM com passado de ''caveira'' do Bope, foi reconduzido à cabeça do Batalhão de Choque. Em dezembro, como presente de Natal, promoveram-no a coronel, o posto máximo da carreira. Fiava-se nas escrituras, até que um repórter determinado contou quem é Fábio de Souza, que nesta segunda-feira foi exonerado do Choque. Se não fosse Leslie Leitão, até onde chegaria o pregador-predador do ''padrão Alemanha''?

Beltrame disse que ignorava as mensagens. Mas será que um ex-agente e delegado da Polícia Federal não considerou estranho um comandante do Bope ser afastado da função prestigiosa e transferido para a segurança do secretário?

Se não o avisaram das barbaridades, quando o coronel Fábio regressou ao Batalhão Choque, Beltrame foi boicotado de modo constrangedor ou a inteligência da Segurança do Rio é uma caricatura de serviço de informações. O que ocorreu?

As mensagens configuram um documento histórico. Está claro que agentes do Estado não apenas incitaram como agiram com violência inaceitável contra manifestantes. Mesmo manifestantes violentos têm o direito constitucional de serem tratados nos termos da lei, e não com projéteis disparados pelas costas. Os grandes baderneiros e arruaceiros de 2013 foram alguns policiais, evidenciam os diálogos.

De certo modo,  inexiste surpresa na cultura antidemocrática expressa nas conversas. O Bope é o batalhão que forja um oficial, o major Edson, que depois vira manda-chuva da UPP da Rocinha, onde matam o pedreiro Amarildo. Edson está em cana.

O Bope é aquele demonstrado no ótimo filme ''Tropa de Elite''. Está tudo ali: a tortura, os ''inimigos'' sempre pobres. A obra do cineasta José Padilha revela o Bope como o Bope é. Quem se entusiasmou  com um demente como o personagem capitão Nascimento, vivido magistralmente por Wagner Moura, considera legítimos métodos ofensivos à civilização.

Alguém foi punido depois da incursão do Bope na Maré em meados de 2013, quando cadáveres ficaram esparramados pelas ruas?

O Bope é a ''tropa de elite'' cujo comandante, ontem ou anteontem, alardeava o 3º Reich.

A despeito de celerados dessa natureza, o problema da PM não é pessoal _em suas fileiras não faltam praças e oficiais dotados de generosidade e espírito público. E, sim, institucional. A Polícia Militar formou-se reprimindo quem confronta o poder. Tratando pobres, sobretudo negros, como inimigos a abater. Tomando moradores de favelas, até segunda ordem, como bandido ou simpatizante de bandido. Supõe que está acima da lei, como no episódio do Amarildo na Rocinha.

A desmilitarização da polícia não é apenas uma bandeira simpática. É uma necessidade da cidadania e também da própria segurança pública.

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