Blog do Mario Magalhaes

Arquivo : dezembro 2014

Gastando sola (2): boyzinho dá ré criminosa e atropela mulher em Botafogo
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Mário Magalhães

Ninguém me contou, eu estava ali, rumo ao Aterro, para encarar dez quilômetros de corrida. Meninos, eu vi: pelas nove e meia da manhã de sábado, um motorista surtado engatou uma ré criminosa na rua São Clemente, uma das duas longas vias que cortam Botafogo e o fazem ser avacalhado como “bairro de passagem” por línguas maldosas.

Vi quando uma mulher foi atropelada pelo SUV com placa de Angra dos Reis e atirada ao asfalto.

E vi quando as pessoas mais próximas a socorreram e ergueram, coberta de escoriações.

E quando o motorista de barbicha saiu do carrão e se pôs a chorar ao ver o feito da sua insanidade.

O garoto com pinta de playboy acelerou numa ré maluca, no limite da velocidade, por uns cem metros, na rua de mão única, em busca sei lá de que caminho, pois inexistia opção.

Achou que era o dono da São Clemente.

Era óbvio que a manobra era proibida, impossível, arriscada, colocava em risco pedestres e outros veículos.

Foi tão covarde o atropelamento que não resisti e falei pro boyzinho, com a serenidade que me restava: “Cara, se tu ‘quer’ te matar, nada contra, mas não mata quem não tem nada a ver com isso”.

As boas almas presentes me recriminaram: “Ele está chorando, já aprendeu a lição”.

Como a senhora atropelada conseguiu caminhar, não deu polícia, guarda municipal, registro, punição ou constrangimento legal para o motorista. Pelo menos enquanto eu ali permaneci.

Pra não dizer que não observei, ponto pro boyzinho: ele teve a dignidade de não fugir.

Tomara que tenha aprendido mesmo a lição.

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Gastando sola (1): o metrô do Rio como ele é
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Mário Magalhães

Sexta-feira, fim de tarde, comecinho de noite, praça General Osório, em Ipanema.

Os milhares de passageiros que chegam à estação terminal da linha 1 do metrô a encontram fechada. Os seguranças do metrô informam que houve “problemas técnicos”. Quem quiser que caminhe até a estação Cantagalo, em Copacabana, a mais de um quilômetro.

Ou seja: quem ia para Ipanema não chegou, e quem de lá pretendia partir não partiu.

Como pegar táxi (e a maioria nem pode…) em meio ao engarrafamento de véspera de fim de semana equivaleria a masoquismo, caminhei até Copacabana.

Outra modalidade masoquista: enfrentar o calor torturante.

Na estação Cantagalo, o esquema era o seguinte: em vez de o trem seguir a viagem normal para outros bairros da zona sul, Centro, e daí por diante, seria obrigatório saltar na estação Siqueira Campos, em Copacabana.

Até aí, vá lá que gastando mais em manutenção talvez esse tipo de problema pudesse ser menos frequente, é do jogo.

O inacreditável é que na mudança compulsória de plataforma na estação Siqueira Campos a escada rolante estava parada. Para quem tem fôlego, tudo bem. Mas Copacabana é o bairro dos mais velhos, das maiores concentrações de idosos do país.

Muitos não conseguiram encarar a escada estática, e ninguém do metrô, em meio ao caos, lhes informava o caminho para o elevador.

Este é o metrô do Rio, cuja concessionária é boa amiga do governo estadual.

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Anúncio dos clubes militares contra CNV reproduz farsa sobre mortes em 1969
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Mário Magalhães

blog - anúncio clubes militares

 

Até a serenidade mais curtida baqueia com a cantilena alegadamente jornalística que prescreve como boa prática de reportagem “equilibrar” os “lados” nas controvérsias sobre a política de extermínio consagrada pela ditadura parida em 1964.

Não havia “equilíbrio” entre o servidor do nazismo que apertava o botão do forno do crematório e os presos que eram incinerados como lixo nos campos de concentração.

A mesma assimetria se manifestava entre o funcionário público a serviço da ditadura brasileira que rodava a maquininha de eletrochoque, castigando o oposicionista que penava no pau-de-arara ou na cadeira-do-dragão, e quem sofria as descargas elétricas inclementes.

No jornalismo e na história, não se pode tratar como iguais quem detém poderes desiguais.

Em nome da impunidade de torturadores e matadores, às favas com os escrúpulos mais comezinhos, como diria o coronel-ministro Jarbas Passarinho _é o que sugerem os arautos do subterfúgio do “equilíbrio”.

Pois é assim que deve ser considerada a nota do Clube Militar lançada ontem (pode ser lida aqui). Esta instituição defende o legado do regime em que funcionários públicos estupravam, torturavam, matavam e ocultavam corpos de jovens brasileiras sob custódia do Estado. É essa a trincheira que representa.

Hoje foi publicado no jornal “O Globo” anúncio (imagem no alto) dos Clubes Naval, Militar e da Aeronáutica, compostos por militares da reserva e reformados das três Forças. Insurgem-se contra o relatório divulgado nesta quarta-feira pela Comissão Nacional da Verdade.

Eis o texto:

“IN MEMORIAM

Os Clubes Naval, Militar e de Aeronáutica prestam homenagem póstuma aos 126 brasileiros que perderam suas vidas pelo irracionalismo do terror, nas décadas de 1960 e 1970. Suas histórias, absurdamente, foram desprezadas pela Comissão Nacional da Verdade, um desrespeito às suas memórias e aos seus familiares. Roga-se uma prece por suas almas.”

Seguem 126 nomes.

Entre eles fulguram alguns torturadores e assassinos, beleguins do Estado, como o famigerado delegado Octavinho, da Polícia Civil paulista.

Nenhum dos mencionados morreu na tortura.

Os criminosos de uniforme e colarinho que violaram os direitos humanos jamais foram julgados. Ao contrário de quem combateu a ditadura _dezenas de milhares de pessoas foram processadas e perseguidas até à margem da lei, e centenas pagaram com a vida a luta pela liberdade.

Mas a lengalenga dos amigos de torturadores _quando não torturadores, como o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra_ é manjada.

O que mais chama a atenção no anúncio é a reprodução de uma farsa largamente desmoralizada nas últimas décadas. A de que a policial Estela Borges Morato foi assassinada por “terroristas” na operação em que foi morto o guerrilheiro Carlos Marighella (1911-1969).

De acordo com a versão oficial da ditadura, Estela foi abatida a bala por seguranças de Marighella, militante que havia sido declarado pelo governo “inimigo publico número 1”.

Ela foi de fato alvejada numa rua escura de São Paulo na noite de 4 de novembro de 1969, quando ao menos 29 policiais armados até os dentes fuzilaram Marighella, que não carregava arma alguma, nem um canivete.

Está mais do que provado que Marighella chegou sozinho ao local onde o assassinaram (29 tiras armados contra um homem desarmado configura assassinato). Nenhum guerrilheiro atirou em Estela, que foi baleada acidentalmente por colegas, policiais como ela.

A história é reconstituída em pormenores nos capítulos “Tocaia” e “Post-mortem: anatomia de uma farsa”, da biografia “Marighella: O guerrilheiro que incendiou o mundo” (Companhia das Letras).

Ao descrever o episódio, fundamentei-me numa infinidade de provas, apresentadas exaustivamente na narrativa e nas notas sobre fontes.

A confirmação mais relevante de que Marighella não tinha revólver consigo e de que inexistiam seguranças veio de policiais que participaram da armadilha.

Estela Borges Morato tinha meros 22 anos de idade e 29 dias de polícia. Na confusão em que seus pares dispararam em desordem, ela acabou baleada mortalmente e um delegado foi ferido.

A jovem policial foi morta por um policial, ao contrário da mentira que os veteranos militares voltam a martelar sem escrúpulos no anúncio publicado hoje.

Se não fosse trágico, como é, seria ridículo.

P.S. 1: os signatários do anúncio também ousaram incluir como vítima da guerrilha o alemão Friedrich Adolf Rohmann. Este protético estava de carro na noite da morte de Marighella. Não acatou a ordem policial de parar, na alameda Casa Branca, e foi morto a bala pelos agentes da repressão, como os próprios policiais já reconheceram.

P.S. 2: ao menos, os clubes dos militares pararam de apontar o sargento Guilherme do Rosário, morto no fracassado atentado do Riocentro, em 1981, como vítima do “terror”. A bomba que ele, terrorista do Exército, portava explodiu em seu colo. Vale uma prece?

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Superdescontos na Festa do Livro da USP
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Mário Magalhães

blog - festa livro usp

 

Com superdescontos, começou hoje e vai até a sexta-feira a 16ª Festa do Livro da USP (saiba mais aqui).

A Companhia das Letras oferece livros pela metade do preço (eis a lista de títulos da editora).

A biografia “Marighella” sai por R$ 30 (o preço de tabela é o dobro).

Boas leituras!

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Barbárie nunca mais: hora de salgar as feridas, e não de acochambrar
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Mário Magalhães

blog - benett comissão verdade

Por Benett, hoje na “Folha”

 

Sim, porque as chagas estão expostas, como sabe quem não se faz de cego e desdenha da dor alheia.

Que ferida cicatrizou, para as velhinhas que até o último suspiro vão sonhar em sepultar dignamente o filho desaparecido sob custódia do Estado?

Ou para os rebentos que esperaram a mãe e o pai regressarem à casa e nunca mais os viram, receberam seu afago e ouviram o carinho de um “boa noite, meu filho”?

O relatório derradeiro da Comissão Nacional da Verdade só será instrumento de reconciliação da brava gente brasileira se for interpretado como ultimato para as atuais e futuras gerações: quem violar os direitos humanos, castigando o povo com covardia e brutalidade, há de ser punido.

Como são _e merecem mesmo ser_ ainda hoje os criminosos nazistas, os torturadores argentinos, os genocidas combojanos, os açougueiros sérvios. Os que trucidaram seus compatriotas e barbarizaram além fronteiras.

A Justiça precisa castigar quem torturou, matou e sumiu com corpos de oposicionistas, sobretudo na longa jornada sombria inaugurada com o golpe de Estado de 1964.

Nunca é tarde para fazer justiça.

A impunidade para os bandidos de uniforme daquela época incentiva os agentes públicos a maltratarem os pobres e desgraçados de hoje.

Crime sem castigo é passaporte para eternizar a covardia.

Na forma, cavucamos o passado. No conteúdo, decidimos que futuro semeamos.

O algoz dos escravos no pelourinho é o padrinho do torturador dos séculos 20 e 21.

Os militares e policiais que desapareceram com o corpo do guerrilheiro Virgílio Gomes da Silva, assassinado na tortura em 1969, inspiraram os facínoras que sumiram com o pedreiro Amarildo em 2013.

As atrocidades descritas pela Comissão Nacional da Verdade nesta quarta-feira 10 de dezembro de 2014 _ainda não li o relatório_ não podem, não devem e não serão ponto final de nada.

Mas dois pontos, anunciando batalhas sem fim respingadas pelo sangue dos mortos, pelo suor de quem não se entrega e pela consciência de quem peleia pela civilização, contra a barbárie.

Com qualquer forma jurídica, é indispensável julgar os criminosos da ditadura. Eles estão vivos às pencas. Até outro dia, um desses matadores pagos com dinheiro do contribuinte contava vantagem ao dizer que ele e seus parceiros cortavam os dedos das mãos, arrancavam a arcada dentária e extirpavam as vísceras de presos políticos, antes de jogar os cadáveres em rio onde jamais viriam a ser achados.

Reparem bem: os discursos mais radicais e aparentemente incendiários, em torno das conclusões das comissões da verdade, serão um engodo histórico se não exigirem o fim da impunidade. Crimes contra os direitos humanos são imprescritíveis. A ditadura não tinha o direito de se auto-anistiar em 1979, como sabe qualquer cidadão honesto e democrata convicto. Os oposicionistas já foram julgados, punidos e perseguidos _muitos deram a vida lutando pela liberdade.

Como ignorar _não punir, no balanço sincero da história, é ignorar_ quem torturou uma presa notoriamente grávida? Criança, o filho se perturbava com o barulho de chaves. Era a lembrança de quando abriam a cela para levarem a mãe _e ele, na barriga_ às sessões de eletrochoque.

E quem motivou dois irmãos menores de dez anos a dormirem amarrados ao berço da irmã bebê, para acordar caso os agentes da ditadura a carregassem embora? Os garotos iriam brigar, pois a coragem estava no sangue e, o amor, no coração.

E os que levaram meninos aos pais, cuja voz reconheceram, mas não o rosto, deformado pela violência despudorada dos torturadores?

E os estupradores das jovens que generosamente dispensaram o conforto dos lares de classe média pensando em ajudar os miseráveis do Brasil?

E quem empalou e executou, em instalações públicas, homens e mulheres sem condições de se defender?

E os ao menos 29 tiras que fuzilaram um guerrilheiro que não portava nem um canivete?

Stuart Angel poderia ser nosso irmão. Zuzu Angel, nossa mãe.

Na parede da memória, como diria o Belchior, esses são os quadros que doem mais.

O Brasil é um dos dez países mais desiguais do planeta porque sempre acochambrou as injustiças.

Nesta terra se mata como em poucas, pois falta a vacina da punição.

As feridas estão aí, é preciso salgá-las, viver a dor, para que enfim, com o amparo de mais uma viagem às trevas da história, os criminosos da ditadura sejam punidos.

Chega de ditadura, chega de covardia.

Nunca mais!

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Rio: Sérgio Abranches lança nesta 3ª o romance ‘Que mistério tem Clarice?’
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Mário Magalhães

blog - livro sergio abranches

 

O Sérgio Abranches cientista político, jornalista, sociólogo e especialista em ecopolítica, o homem de ideias, todo mundo conhece, muita gente pelos seus comentários na CBN.

Aos seus talentos, como diria Cláudio Coutinho, polivalentes, Sérgio acrescentou o de escritor. Nesta terça-feira, 9 de dezembro, ele lança no Rio seu novo romance, “Que mistério tem Clarice?” (Biblioteca Azul). A partir das 19h, na Livraria da Travessa, em Ipanema.

Sérgio estreou na ficção em 2012, com o romance “O pelo negro do medo” (Record).

Volta a ela com o livro cuja trama é sintetizada no release reproduzido abaixo.

Até amanhã, na Travessa!

*

Que mistério tem Clarice?

Mistura de prosa e ensaio, novo romance de Sérgio Abranches
aborda questões como a memória, identidade e a história
recente do país

O ano é 2012. Clarice, escritora e professora bem-sucedida, recebe uma notícia
inesperada. Tem um tumor maligno e só mais alguns meses de vida. 1970. Uma
adolescente sai de uma delegacia, em São Paulo, com o vestido encharcado de
sangue. Seu rumo é a clandestinidade. Em 1972, uma moça chamada Amália visita
cidades do interior de Minas Gerais, dizendo estar à procura de uma tia. Réveillon
de 1978. Um casal de jovens amanhece nas areias de Ipanema sem saber que
aquela noite mudaria suas vidas para sempre.

O novo romance de Sérgio Abranches parte dos dias atuais para, numa viagem por
tempos e paisagens distintas, narrar a história de uma mulher que acaba se
confrontando com um passado que julgara esquecido. Numa trama que alia
engenho e delicadeza, usa a ficção para abordar temas caros ao Brasil
contemporâneo, como a culpa nos processos históricos, as faces movediças da
verdade, o autoritarismo e a indiferença.

Seu ponto de partida é a convivência de Clarice com os dois filhos. No momento
em que ela recebe o diagnóstico, Jorge, o primogênito, está na África,
fotografando. Marina está em uma cidade histórica da Boêmia, escrevendo
reportagens de turismo. Logo eles se reúnem à mãe para desfrutarem momentos
de cumplicidade, em longas conversas sobre literatura, filosofia e história. E é aí
que se revela uma das características mais marcantes deste livro: a mistura de
prosa e ensaísmo. Com referências a Kafka, Hemingway, Garcia Lorca, Hermann
Hesse e Wittgenstein, os diálogos e pensamentos de Clarice dão vida a debates
cheios de nuances, em busca de clareza.

Com uma narrativa envolvente, o romance converge para um ponto central: qual é, afinal, o segredo de Clarice? Na teia que se desenha ao redor dessa pergunta, o autor cria um elogio à coragem, à alteridade e ao prazer de estar vivo. Ante a morte, a protagonista se volta, resoluta, para a celebração da vida e de suas contradições.

Sobre o autor

Sérgio Abranches (1949) é sociólogo, cientista político e jornalista, reconhecido
como uma das vozes mais atuantes, no Brasil, sobre “ecopolítica”. Após publicar
livros sobre temas relacionados à política, sociedade, mudança climática e
sustentabilidade, estreou na ficção em 2012, com o romance O pelo negro do medo
(Editora Record). Hoje, é editor do site Ecopolítica e comentarista da rádio CBN.
Ganhou o Prêmio Jornalistas&Cia HSBC, na categoria Personalidade do Ano em
Sustentabilidade 2011. Também foi vencedor do Prêmio Chico Mendes de Jornalismo Socioambiental 2013 (rádio).


Incansáveis e heroicas, velhinhas argentinas acham 116º neto desaparecido
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Mário Magalhães

Elas são um sopro de crença na vida e na esperança: as Avós da Praça de Maio, por meio de sua dirigente Estela de Carlotto, anunciaram nesta quinta-feira que foi descoberto o paradeiro de mais um bebê, o 116º, desaparecido durante a ditadura argentina que vigorou de 1976 a 1983.

O menino nasceu na Esma, principal centro militar de tortura, morte e sumiço de presos políticos naqueles tempos. Seus pais foram assassinados e os corpos não foram entregues aos parentes. Bem como a criança que veio ao mundo em cativeiro.

O neto 116 tomou há algumas semanas a iniciativa de fornecer sangue para comparação com o DNA de famílias de desaparecidos na ditadura. Ele desconfiava ser filho de militantes.

Seus pais se chamavam Ana Rubel e Hugo Alberto Castro. A mãe foi sequestrada com dois meses de gravidez (saiba mais clicando aqui).

O homem, cujo nome ainda não foi informado, foi criado por uma família de civis em circunstâncias também não divulgadas.

Nenhuma das duas avós e dos dois avôs biológicos sobreviveu para celebrar a alegria do encontro com o neto roubado.

Em agosto, Estela de Carlotto descobriu o paradeiro do seu neto, o 114.

Na cerimônia de divulgação da descoberta do neto de Estela, as pessoas cantaram uma adaptação da música que embalou os torcedores argentinos na Copa (para assistir, basta clicar na imagem do alto ou aqui).

A tradução, meia-boca:

Milico, me diz o que sentes

Que tenhamos encontrado um neto mais

Te juro que ainda que passem os anos

Sempre os vamos buscar

Porque agora somos mais

As velhas vão brindar

E as crianças conosco vão estar.

Em síntese, a ditadura roubava crianças, depois de assassinar e sumir com seus pais.

As velhas, incansáveis e heroicas, não se cansam de buscá-las.

E ainda tem gente com saudade de ditaduras…

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Despenca a mortalidade infantil. O Brasil melhorou? Viva o povo brasileiro!
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Mário Magalhães

blog - enterro anjinho

Enterro de bebê no sertão cearense – Foto Alex Costa/Reprodução “Diário do Nordeste”

 

A notícia é tão alvissareira que merecia confraternização entre antagonistas, as manchetes em 50 tons, mas manchetes, um Fortal fora de época, uma nova canção do Roberto, dez subidas-e-descidas sem descanso na escadaria da igreja da Penha, a Cora dar um tempo nas maldades, a descoberta de uma letra inédita do Renato Russo, um novo gol impossível do Neymar, uma carraspana épica para celebrar a façanha igualmente épica: em dez anos, a mortalidade infantil no Brasil despencou quase para a metade, atingindo em 2013 a marca recorde de 15 bebês, a cada mil nascidos vivos, mortos até completar um ano.

Ninguém vai mitigar a dor das mães e pais que perderam suas crias, mas há cada vez menos lágrimas.

Não porque a tristeza de cada um diminua. E sim porque os anjinhos são cada vez menos.

Como sabe quem emburaca pelos sertões, ficou mais difícil, eita boa nova, vislumbrar as procissões com pequenos caixões brancos ou às vezes caixinhas improvisadas de papelão para enterrar os brasileiros que não tiveram chance de viver.

O IBGE anunciou nesta semana que a mortalidade infantil, 29,7/mil em 2003, primeiro ano Lula, não passou de 15/mil no ano passado, terceiro ano Dilma (leia reportagem do UOL).

De 2012 para o ano seguinte, a expectativa de vida aumentou e estabeleceu números inéditos.

Para quem considera a vida e o ser humano os critérios essenciais de percepção do mundo, o Brasil melhorou.

E olha que ainda estamos desgraçadamente entre os bambambãs da desigualdade, sempre emplacando o ranking dos dez mais _ou menos_ do planeta.

O abismo entre os mais ricos e os mais pobres é tão obsceno que cenas como a da menina se banhando na água imunda de um bueiro do Rio choca, mas não surpreende.

Mas que o Brasil foi para a frente, isso foi.

Olhar ainda mais para trás ajuda a compreender como progredimos.

Em 1945, perto de 250 bebês, um em cada quatro, morriam em Salvador antes do aniversário de um ano. Na capital da Bahia, e não no interior mais miserável, onde a desnutrição e as doenças associadas à pobreza exterminavam com mais furor.

Vai dizer para uma mãe que perdeu seu filho que o Brasil não melhorou. Que tanto faz a morte de mais ou menos crianças.

Na Constituinte de 1946, em seguida ao fim da ditadura assassina do Estado Novo (1937-1945), não havia uma só mulher eleita entre as centenas de deputados e senadores que formaram a Casa unicameral.

Nenhuma mulher!

Quando o então constituinte Carlos Marighella defendeu o direito ao divórcio, sua proposta perdeu de um montão a um montinho de votos.

Mas na década de 1970 o divórcio seria introduzido.

Também na Constituinte de 1946, a iniciativa de introduzir o 13º salário, batizado como Abono de Natal, também foi trucidada.

Acabou entrando em vigor na alvorada dos anos 1960.

A queda da mortalidade infantil, o crescimento _grande, mas insuficiente_ da representação feminina, o 13º e o divórcio, todas essas novidades tiveram uma característica comum: só existem porque os brasileiros se mobilizaram, foram à luta, choraram para mamar, como ensina a marchinha.

Nada caiu do céu. Nem cairia, na nação onde a elite estendeu a escravidão até quando nenhum país da importância do Brasil ainda a mantinha.

Tudo é conquista de muitas gerações.

O nível mais baixo da morte de crianças em todos os tempos merece ser celebrado.

E também deveria nos inspirar a combater, sem retrocessos, as desigualdades e injustiças que teimam em permanecer.

O Brasil melhorou. Viva o povo brasileiro!

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