Injustiça e covardia contra Jango
Mário Magalhães
Uma imensa maldade contamina a investigação sobre eventual homicídio de João Goulart (1919-1976): a presunção não explícita, mas sugerida, de que Jango só teria sido vítima da ditadura caso tivesse sido assassinado na Argentina.
Trata-se de suposição esdrúxula e covarde. Presidente constitucional, Goulart foi derrubado pelo golpe de Estado. Obrigaram-no a partir para o exterior, escapando da perseguição dos liberticidas que o haviam afastado da função que exercia por vontade do povo. Tornou-se o único presidente do Brasil a morrer no exílio, outro feito dos verdugos que governaram desde de abril de 1964.
Com morte morrida ou morte matada, Jango é uma das sínteses mais dramáticas da intolerância consagrada pelos militares e civis que, com a queda do presidente, empalmaram o poder.
João Goulart representa a democracia e merece servir como inspiração para as gerações vindouras.
Os que o alvejaram, cassaram, vigiaram, intimidaram, ameaçaram e caçaram expressam uma quadra histórica a rejeitar.
O Brasil precisa de escolas com o nome de Jango, e não dos marechais e generais que fulminaram a soberania popular.
Como se soube ontem, os peritos oficiais não encontraram vestígios de veneno nos restos mortais do presidente que alegadamente faleceu de causas naturais associadas ao coração (leia aqui reportagem de Leandro Prazeres).
Para mim, nenhuma surpresa. Como se sabe, Goulart era cardiopata e já havia enfartado no começo da década de 1960. Como assinalo na biografia ''Marighella: O guerrilheiro que incendiou o mundo'' (Companhia das Letras), a fragilidade do seu sistema cardiovascular era tamanha que seu médico, o então mais renomado cardiologista do país, desaconselhou a ida ao célebre Comício da Central, em 13 de março de 1964. Cabra destemido, o gaúcho foi e discursou.
A despeito do prontuário médico do presidente, a pior postura contemporânea é cravar verdades peremptórias sem apurar todas as versões e hipóteses. Ainda há muito a investigar.
Ao menos, sobressai uma certeza das novas de ontem, anunciadas pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. Um uruguaio 171, que fantasiou sobre a morte de Jango, não passa mesmo de farsante. As substâncias descritas pelo picareta para suposto homicídio não foram encontradas.
Reitero: tendo sido assassinado ou não, João Goulart foi vítima da injustiça e da tirania.
O lamentável de ontem foi a presença do ministro Edison Lobão (Minas e Energia) na mesa, ao lado da ministra Ideli Salvatti e de João Vicente Goulart, filho do presidente deposto.
Lobão não foi somente um líder da Arena, o partido da ditadura. Manteve vínculos com os segmentos mais truculentos do aparato repressivo.
Sua participação em lugar de honra na cerimônia em Brasília constituiu ofensa à memória de João Belchior Marques Goulart.