Rio: na 2ª-feira, Henrique Brandão lança o livro ‘Coração Vagabundo’
Mário Magalhães
Se tem um cara que sabe muito de Rio de Janeiro e palpita com a cidade, é o Henrique Brandão.
O Henrique fez do Rio inspiração e cenário em sua estreia na literatura, com o romance ''Coração Vagabundo'', editado pela Ponteio.
O lançamento será na segunda-feira, 24 de novembro, na Travessa de Ipanema, a partir das 19h.
Abaixo, o blog reproduz a orelha, assinada pelo Zuenir Ventura, um breve perfil do autor e trechos do livro.
Até a segunda, na Travessa!
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Por Zuenir Ventura
Com base em suas memórias reelaboradas como ficção, o autor realiza neste livro uma viagem que condensa a vivência de uma geração nascida há cerca de 50 anos, junto com o golpe militar, e criada durante a ditadura dos generais. Só ao completar 21 anos, quando chegou à maioridade e o golpe chegou ao fim, é que soube o que era liberdade plena. Tudo começa com o enfarto que o remete a uma triste lembrança: “”Meu pai faleceu com a mesma idade que estou, de enfarto fulminante”. Mas o susto termina aí. Transferido para o hospital onde seria operado, ele descreve com humor os preparativos: o constrangedor banho com esponja e a fantasia sexual com a bela enfermeira que, ao chegar ao ponto tão desejado por ele, entrega-lhe um paninho úmido: “toma, é para o senhor lavar as partes de baixo”.
O ponto de vista do relato é o próprio hospital, ou melhor, os delírios de um velhinho internado em estado grave. Separado apenas por uma cortina entreaberta, o narrador teve a idéia de embarcar na “viagem” alheia. Por exemplo: Já que, pela idade, o paciente idoso seria contemporâneo de Noel Rosa, por que não imaginá-lo tomando porres com o compositor em Vila Isabel? E, depois, com Martinho, entre outros bambas das redondezas. “O que o velhinho fazia para viver?”, e surge a hipótese de que teria sido apontador do jogo do bicho, cuja origem foi ali perto, no antigo Jardim Zoológico.
Por meio desse recurso ficcional, Henrique Brandão vai revelando um pouco da Zona Norte, então desconhecida da Zona Sul. Se o velhinho era amigo de Noel, na certa teria frequentado a Lapa de Ceci, a musa do compositor, e esbarrado com Nássara, Ataulfo, Wilson Batista, entre outros. Mais tarde, já por conta própria, o velhinho deve ter se infiltrado no Bar Villarino, em frente à Academia Brasileira de Letras, e bebido na mesa ao lado da de Vinicius, Tom, Rubem Braga, Lucio Rangel e tantos intelectuais boêmios. E vamos seguindo o que o autor chama de “fluxo migratório da boemia em direção à Princesinha do Mar”, depois Ipanema e Leblon.
Não é apenas um deslocamento geográfico, mas também histórico, permitindo revisitar episódios e personagens do período pós-ditadura, principalmente os anos 80, de abertura política e comportamental. É um país “doido para falar”, informa o título de um capítulo. São tempos de descobertas e buscas, de efervescência cultural, de grupos de estudos sobre Lênin, de questionamento do velho PCB, de dissidências, novos sindicatos e as associações dos moradores.
Enfim, depois de passar por dois hospitais e pelo bisturi, o autor/narrador sobrevive para contar sua história, tão animado quanto o carnaval de rua que ele ajudou a renascer na Zona Sul.
(Texto da orelha)
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Perfil do autor
Henrique Brandão nasceu no Rio, em 1960. É jornalista com atuação no mundo do cinema, do vídeo e da mídia impressa. Sua trajetória profissional é marcada por uma participação intensa na vida política da cidade. Mas, antes de tudo, Henrique é um carioca. Daqueles que têm adoração pelo Rio e que transitam da Zona Norte à Zona Sul com a mesma desenvoltura. Flamenguista apaixonado e rubro-negro emérito, foi dirigente do clube em duas ocasiões. Fundador de um dos maiores ícones do carnaval de rua, o bloco Simpatia É Quase Amor, estreia na literatura prestando uma homenagem à sua cidade do coração.
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O Rio de Janeiro é cenário e personagem em Coração Vagabundo. Nesta ficção, o autor nos revela sua visão singular da cidade, em um relato ágil e envolvente, cujo ponto de partida é um inesperado acontecimento na vida pessoal, que o faz revisitar na memória fatos e lugares marcantes, proporcionando uma viagem instigante pela cena cultural carioca. Um belo presente para o Rio, na véspera dos seus 450 anos
(…) Minha viagem gastronômica começou pelo Centro. Adoro o Centro, a zona da cidade mais democrática que há, com uma mistura de gente de todos os tipos, classes, bairros (…)
(…) como companheiro de Noel, continuei especulando, ele deve ter frequentado a Lapa dos velhos tempos, indo junto com o poeta da Vila buscar sua musa Ceci no Cabaré Apolo e, por lá, ainda ter dividido a mesa com Nássara, Ataulfo Alves e outros bambas (…)
(…) O Rio, capital republicana, deveria tornar-se modelo civilizatório nacional, vitrine a ser copiada. Este projeto estratégico de cidade, entretanto, teve consequências enormes: as populações pobres, em sua maioria negros e pardos recém saídos da escravidão, habitantes das casas postas abaixo, com as reformas foram obrigadas a mudar para a periferia, seguindo a linha do trem, em direção aos subúrbios, ou então ocupar as encostas dos morros da cidade, dando início às primeiras favelas cariocas. (…).