45 anos depois, ainda falta punir os assassinos de Marighella
Mário Magalhães
Logo mais, quando a noite cair, completará 45 anos a tocaia em que o guerrilheiro Carlos Marighella (1911-1969) foi assassinado em São Paulo.
Fuzilado pouco depois das oito horas da noite na alameda Casa Branca, o antigo deputado havia sido declarado pela ditadura, em 1968, “inimigo público número 1”.
Em 4 de novembro de 1969, o revolucionário estava sozinho e desarmado, como narro na biografia “Marighella: O guerrilheiro que incendiou o mundo” (Companhia das Letras).
Ao menos 29 agentes da polícia política, armados até os dentes, participaram da operação. Poderiam ter prendido o homem que caçavam, até porque contavam com cão treinado para isso, mas o executaram.
Duas vezes a União reconheceria que Marighella foi assassinado, e não abatido em confronto. Uma vez no governo FHC, outra na administração Dilma Rousseff, como informa o epílogo da biografia:
“A Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos dissecou o Caso Marighella em 1996. O colegiado instituído pelo presidente Fernando Henrique Cardoso concluiu que o Dops, se quisesse, poderia ter rendido o guerrilheiro, sem liquidá-lo”.
“Na sessão de 5 de dezembro de 2011, a Comissão de Anistia do Ministério da Justiça apresentou um ‘pedido oficial de desculpas’ à família de Marighella. ‘Em nome do Estado brasileiro’, lamentou pelos ‘erros cometidos no passado’, ao persegui-lo e matá-lo.”
Muitos mistérios que permaneciam sobre as circunstâncias da morte de Marighella foram elucidados no livro de 2012: o líder _ao lado do jornalista Joaquim Câmara Ferreira_ da Ação Libertadora Nacional não portava mesmo nem um canivete.
Sobrevive, contudo, uma aberração: nenhum dos agentes que mataram o militante que poderiam ter prendido foi processado pelo crime. Com o absoluto controle da Casa Branca pelos funcionários públicos, Marighella estava virtualmente sob custódia do Estado, em dependência assemelhada a delegacia ou quartel, como concluiu a comissão em 1996.
Goste-se ou não de Marighella, de suas ações e de suas ideias, inexistia lastro legal para os beleguins o matarem. Nem a legislação de exceção da ditadura autorizava tortura e homicídio.
Vergonhosamente, o governo paulista promoveu por “bravura” 43 agentes que atuaram no cerco covarde ao guerrilheiro, incluindo 28 dos 29 presentes ao fuzilamento.
Muitos já morreram, como o delegado Sérgio Paranhos Fleury e o policial João Carlos Tralli, provável autor do tiro fatal, no peito, que matou Marighella.
Mas há muitos vivos.
Quem são?
O relatório da operação está à disposição em instituições como os Arquivos Públicos Estaduais de Rio e São Paulo; o Arquivo Edgard Leuenroth, na Unicamp (também com acesso livre pela internet); o Arquivo Nacional; e o Superior Tribunal Militar.
Quem não quiser procurar, basta ler a lista completa na biografia “Marighella”.
Os verdugos continuam soltos e impunes.
Julgar e punir na democracia quem violou crimes imprescritíveis contra os direitos humanos não constitui vingança. E, sim, justiça.
Serve como vacina para que as novas gerações não confiem na impunidade como incentivo à reedição da barbárie.
Ainda é tempo de julgar e condenar os assassinos de Carlos Marighella e de todas as centenas de opositores que foram mortos e torturados na quadra sombria inaugurada em 1964.
Em nome do passado, e muito mais pelo futuro do Brasil.