Terra em transe, teu nome é Brasil
Mário Magalhães
Caninha, copos de vinho, carne de porco, conversas sobre literatura e jornalismo, causos embalados pela verve saborosa, confissões temperadas pela sabedoria de tantos escritores e jornalistas que desde sempre fazem a minha cabeça.
Ouro Preto, nesses dias de Fórum das Letras, é um exercício de como a vida poderia ser.
A décima edição do festival gravita em torno do mote ''Escritas em transe''.
Poucos encontros culturais palpitam tão intensamente, taquicardia da arte, da história e da alma, com as urgências e comoções do Brasil, mesmo quando se evocam conflagrações de mais de dois séculos atrás.
Tudo é um ensaio de paraíso, até o maldito instante em que as notícias me alcançam.
''Terra em transe'', obra-prima de Glauber Rocha lançada em 1967, poderia emprestar o título ao Brasil cujos ecos chegam a esta meca da convivência _ninguém troca uma ideia como os mineiros.
Se um dorminhoco caiu no sono sábado e despertou hoje, não duvidará de que o senador Aécio triunfou e a presidente Dilma perdeu a eleição.
Crédulo que sou, achava que não haveria mais nenhum escândalo a acrescentar ao escândalo da reta de chegada do segundo turno, até que me deparei com o Janio de Freitas me assombrando (para ler, basta clicar aqui).
Então, alguém me falou que os tucanos haviam recorrido à Justiça pedindo auditoria da votação de domingo.
De cara, desconfiei: eleição não é Campeonato Brasileiro para ser decidida no tapetão.
Cheguei ao hotel e corri a consultar quem sabe, o Josias de Souza. É tudo verdade, ele confirmou.
Na verborragia jornalística com que me deparei em meio ao noticiário, deu saudade do Carlos Lacerda. Não apenas pelo brilhantismo e pela prosa soberbos, mas porque o grande jornalista e contumaz golpista tinha limites de compostura.
Uma coisa é, com legitimidade inquestionável, o senador Aloysio Nunes Ferreira Filho anunciar que não haverá lua-de-mel para Dilma Rousseff.
Bendito o país cuja oposição faz mesmo oposição, em vez de corromper-se e se ajoelhar diante do poder.
Mas tem gente sugerindo, em vez de desfraldar as bandeiras da oposição, o fuzilamento da soberania do sufrágio popular.
Na convulsão dos tempos que correm, eu soube que o Sarney votou no Aécio. Quer dizer, disseram-me, e eu disse que não acreditava. Até ver o vídeo.
Com meus sentimentos mais sombrios, pensei: bem feito para o PT.
Em seguida, li mais um ser primitivo, protegido pelo verniz dos eufemismos, sugerindo que os brasileiros não sabem votar. ''Odeio povo'', proclamou Justo Veríssimo, o personagem do Chico Anysio, ao fundo.
''Terra em transe'' foi o filme em que Glauber reconstituiu alegoricamente o golpe de Estado de 1964 e expôs os caminhos para enfrentá-lo. A trama se passa na fictícia nação de Eldorado.
Diante do surto de maluquice que assola o país, não há como negar: terra em transe, teu nome é Brasil!