O jingle eleitoral que virou canção de ninar
Mário Magalhães
Assim como um gol, uma canção e um livro, campanhas eleitorais também podem marcar para sempre a nossa memória afetiva.
A de 1989 tinha tudo para isso e não decepcionou. Era a primeira direta para presidente depois da agonia e do funeral da ditadura. A anterior havia sido disputada no remoto ano de 1960, quando nenhum astronauta ainda pisara na Lua, a seleção não era nem bi e o Glauber não filmara ''Terra em Transe'', até porque os eventos que inspiraram o clássico do cinema estavam por acontecer.
A turma de candidatos era da pesada. Para ninguém brigar comigo, neste tempo de pavios curtos, evoco alguns por ordem alfabética: Affonso Camargo, Aureliano Chaves, Enéas Carneiro, Fernando Collor de Mello, Fernando Gabeira, Guilherme Afif Domingues, Leonel Brizola, Luiz Inácio Lula da Silva, Mário Covas, Paulo Maluf, Roberto Freire, Ronaldo Caiado e Ulysses Guimarães.
Havia outros. Até o Silvio Santos concorreu, entrando e saindo fugazmente no meio da corrida.
Aquela campanha se fincou no coração não pelos postulantes de envergadura histórica, muitos deles com o porvir ainda mais promissor, e sim pela trilha sonora que a embalou. Nunca uma safra de jingles foi tão sensacional. Até hoje cantarolo, submetido por um chiclete que teima em não descolar da cabeça, os de Collor, Afif, Lula e Ulysses. Sem falar no do Silvio Santos, que aproveitou sua música de palco anunciando o ''vem aí''.
Para a minha vida, contudo, nenhum teve a importância do de Brizola, que pode ser revisitado clicando na imagem no alto ou aqui.
Dos jingles que eu vivi, e não que vim a conhecer na posteridade, como os de Getulio em 1950 e Jânio em 1960, a lembrança mais antiga é de 1982: ''Jair, Jair do povo/ Do pobre e do trabalhador / Vamos te escolher de novo /Jair do povo pra governador''. Jair Soares era o candidato do partido da ditadura ao Palácio Piratini. Talvez a letra nem fosse exatamente essa, mas assim a guardei. Jair venceu o oposicionista Pedro Simon, possivelmente na mão grande, como se suspeita até hoje.
O melhor foi o samba arrasa-quarteirão que Reginaldo Bessa compôs para a campanha vitoriosa de Roberto Saturnino Braga a prefeito do Rio. Corria o ano de 1985, e o povo entoava: ''É carioca da gema/ Conhece o Rio decor/ De Santa Cruz a Ipanema, é Saturnino o melhor''… Para ouvir a obra-prima, eis o link.
Sou insuspeito: não votei nem no Jair nem no Saturnino.
E, se soubesse do presente que o gaudério me daria com seu jingle, talvez tivesse sufragado o velho Briza em 1989.
A musiquinha era simples, quase naif, com o coral infantil sugerindo a preocupação _autêntica_ com a educação.
Por pouco, o Brizola não passou ao segundo turno. E poucos meses mais tarde nasceu minha primeira filha.
Para botá-la para dormir, eu tentava uma canção ou outra, mais dos mineiros, mas não funcionava. Nem Beto, Milton, Lô e Toninho.
Até que, como o jingle brizolista não cansava de martelar os meus miolos, adaptei-o. No original, ele dizia: ''Lá, lá, lá, lá lá, Brizola/ Lá, lá, lá, lá, lá, Brizola/ O voto no Brizola só pode nos trazer/ Um tempo bem melhor pra se viver''.
Eu cantarolava com a bichinha, branca feito iogurte, no colo ou no berço. Tiro e queda, ela adormecia na hora.
Hoje aquele bebê é uma guria linda de 24 anos, um a menos do que eu tinha quando a ninava.
Quando a vejo com sono, e sono é algo que não lhe costuma faltar, lembro o jingle de outrora e canto baixinho só pra mim: ''Lá, lá, lá, lá, lá, Maria…''