Hora do chororô: o povo não sabe votar, já dizia Pelé
Mário Magalhães
Calma, amigos alvinegros, a conversa não é sobre futebol, mas a respeito de eleição, e não a que escolherá o novo presidente do Botafogo.
Com a proximidade do domingo, cresce a ladainha que busca desqualificar os cidadãos que elegerão Dilma Rousseff ou Aécio Neves.
Agora, os resmungos só se insinuam. Na noite de 26 de outubro, com o anúncio do vencedor, a grita balançará os tímpanos.
Os brasileiros não sabem votar, já disse Pelé, dando uma força à ditadura que aqui vigorava.
No fundo, no fundo, é o que se sugere ao pressupor que armadilhas, cascatas, falsidades e armações ilimitadas definirão o sétimo pleito presidencial pós-Constituinte de 1988.
Noutras palavras, que é moleza iludir o povo, que seria a soma de mentecaptos incapazes de discernir uma coisa de outra coisa.
Se fôssemos um bando de parvos, não haveria cortes de opinião tão definidos, como os que caracterizam os eleitores de maior e de menor renda. Cada um sabe muito bem o que é melhor para si.
Quando escrevo ''sabe muito bem'' não significa que eu concorde necessariamente com a maioria. Mas as pessoas têm opiniões tão legítimas quanto as minhas, e vice-versa.
O raciocínio vale para a marquetagem eleitoral. Os publicitários embrulham seu produto da forma mais sedutora, mas não o inventam. Em 2002, relações sociais, históricas e políticas levaram Luiz Inácio Lula da Silva ao Planalto, mas houve quem concluísse que o triunfo do velho metalúrgico era obra da propaganda de Duda Mendonça. Se o craque baiano tivesse esse poder todo, em 2014 Paulo Skaf teria ao menos ido ao segundo turno em São Paulo. Não foi, nem com Duda pilotando sua campanha.
A tal propaganda negativa, recurso legítimo, desde que não fraude os fatos, costuma ser evocada para nos chamar de abobados _cairíamos ingenuamente nas pegadinhas dos reclames. Esse tipo de expediente costuma funcionar quando há lastro na realidade.
Ou, no Rio, Luiz Fernando Pezão não é mesmo apadrinhado por Sérgio Cabral, como denuncia Marcelo Crivella? E Crivella não é o candidato a governador predileto da Igreja Universal do Reino de Deus, como martela Pezão?
Por que a Justiça eleitoral não permite aos eleitores saber que Aécio se recusou a fazer o teste do bafômetro numa blitz da Lei Seca e que Dilma em certa oportunidade elogiou de modo protocolar o adversário que agora critica? Porque o povo não sabe votar?
À medida que Dilma ou Aécio se distanciar nas pesquisas, o menosprezo aos eleitores vai prosperar.
Dizem que esta é a campanha com mais baixarias desde 1989.
Não sei.
Mas sei que é a mais politizada desde então, o que é ótimo para o país. Ao fim do debate dominical na Record, os espectadores-eleitores tinham claro quais são as ideias e os interesses de Aécio e Dilma.
Não é evidente que o centro da pregação do tucano é o combate à corrupção e o da petista o combate à desigualdade social?
Até que ponto existe hipocrisia na cantilena dos dois é outra coisa.
No limite, a desqualificação dos brasileiros leva um delirante a afirmar que determinado candidato, se eleito, não terá ''legitimidade'' para governar.
E quem confere legitimidade? Novos lacerdistas ou os brasileiros que vão às urnas?
O povo sabe votar, sim.
Se ganhar o PSDB, como em 1994 e 1998, ou o PT, como em 2002, 2006 e 2010, a decisão é soberana.
Ensaiar terceiro turno é ranço intolerante.
Se as lágrimas do chororô caíssem sobre São Paulo, a seca daria lugar a temporais mais vorazes que os dos romances de García Márquez.