Na ONU, FHC propagandeou seu governo, mas não foi avacalhado como Dilma
Mário Magalhães
O discurso da presidente Dilma Rousseff abrindo ontem a Assembleia Geral da ONU foi criticado com contundência por amplos segmentos do jornalismo nacional.
Ao propagandear feitos dos governos dela e do antecessor Luiz Inácio Lula da Silva, como a retirada de dezenas de milhões de pessoas da condição de miseráveis, a candidata à reeleição teria se aproveitado de um palco inadequado, em busca de vantagens eleitorais. Vender seu peixe constituiria oportunismo abjeto.
Empregando a tirada consagrada pelo Ancelmo Gois: é, pode ser.
Todas as opiniões _contra, a favor e muito pelo contrário_ são legítimas.
O que mais chama a atenção é o notável contraste entre os tratamentos concedidos a Dilma (PT) e, para ficar num exemplo, ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB).
Sim, FHC também já vendeu peixe de seu governo na ONU. E ninguém _ou pouca gente_ chiou por causa disso.
Em 1998, numa sessão especial da Assembleia Geral, o presidente alardeou: o Brasil vai ''dobrar seus esforços'' na prevenção ao narcotráfico. Ele anunciou uma medida iminente da sua administração, a criação da Secretaria Nacional Antidrogas, como ''mensagem clara aos que lucram com a ignomínia desse comércio: a de que não encontrarão no Brasil qualquer tolerância com suas atividades'' (saiba mais clicando aqui).
Contra Dilma e FHC, existe a evidência de que contavam com benefícios políticos internos _ele também encararia eleição naquele ano.
A favor, o argumento também tem méritos: se a ONU deve se mobilizar contra a fome, por que Dilma deveria silenciar sobre os 36 milhões de brasileiros que escaparam da miséria desde 2003? E FHC, ao tratar do combate ao tráfico de drogas, por que precisaria omitir seus esforços?
O fundamental: o noticiário tem dois pesos e duas medidas.
Uma curiosidade: em 1995, Fernando Henrique afirmou numa declaração que a ONU deveria ser ''mais ativa no que diz respeito ao combate à fome e à miséria'' (leia aqui).
Será que o antigo presidente, homem de bem, não ficou contente, quase duas décadas mais tarde, com a atual presidente dando boas notícias sobre a diminuição da fome e da miséria no Brasil?