Blog do Mario Magalhaes

Procuradores querem investigar chefe do Exército por ‘falsa informação’

Mário Magalhães

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Set/2013: procurador pede folha de alterações e ficha de movimentações

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Out/2013: Exército entrega só ficha de movimentações, ocultando passagem pelo Doi

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Folha de alterações sonegada pelo Exército documenta Belham no Doi

 

A equipe de procuradores da República que apura violações contra os direitos humanos ocorridas no Estado do Rio no período 1964-1985 pediu ao procurador-geral da República a abertura de investigação criminal sobre atos do comandante do Exército, Enzo Peri.

Os três procuradores do Grupo de Trabalho Justiça de Transição afirmam que o Exército tem prestado ''informações falsas ou incompletas'' sobre o histórico funcional de militares durante a ditadura.

Como a prerrogativa de processar o comandante do Exército seria do procurador-geral, os procuradores radicados no Rio enviaram na semana passada uma representação a Rodrigo Janot, instando-o a investigar Enzo Peri.

No documento de 14 páginas, os procuradores Sergio Gardenghi Suiama, Antonio do Passo Cabral e Tatiana Pollo Flores solicitam que se investigue se houve crime de ''recusar ou omitir dados cadastrais, registros, documentos e informações requisitadas pelo juiz, Ministério Público ou delegado de polícia, em curso de investigação ou do processo''.

Este crime é punido com reclusão de até dois anos, com base na Lei 12.850, de 2013, que trata de organizações criminosas. A lei é mencionada na representação.

Os procuradores também suspeitam de crime de falsidade ideológica, previsto no Código Penal, com pena de até cinco anos de reclusão: ''Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante''.

Procurado pelo blog, o Ministério da Defesa, ao qual as três Forças Armadas são subordinadas, informou que só na Justiça se pronunciará sobre o assunto, na hipótese de a Procuradoria Geral da República investigar e denunciar o general-de-exército Enzo Peri.

O caso em questão

Os procuradores escreveram que, ao omitir informações, o comando do Exército vem ''atrasando e prejudicando'' a apuração de violações contra os direitos humanos. O grupo Justiça de Transição do Rio já acusou até agora 16 militares e civis por crimes relacionados aos assassinatos de dois oposicionistas até hoje desaparecidos _Mário Alves (em 1970) e Rubens Paiva (1971)_ e ao plano terrorista de explodir bombas no Riocentro (1981).

A representação esmiúça um caso para comprovar o que seria recusa do Exército em compartilhar informações que a legislação obriga a fornecer.

Em 9 de setembro de 2013 (um ano hoje), o Ministério Público Federal requisitou ao comandante do Exército documentos possivelmente úteis ao procedimento investigatório criminal sobre a morte de Rubens Paiva: cópia do Livro da Guarda da unidade do Exército onde oposicionistas foram presos e trucidados; cópia das folhas de alterações de 33 militares, mostrando todos os registros funcionais da carreira, incluindo elogios; cópia de 33 fichas de movimentação, que são bem mais sucintas.

O Exército respondeu no dia 17 de outubro do ano passado, por meio do general-de-divisão Mauro Cesar Lourena Cid, chefe de gabinete do comandante do Exército. Não entregou cópia do Livro da Guarda, que mostraria quem estava no quartel enquanto presos eram mortos. Não entregou cópia das folhas de alterações _de nenhuma delas. E encaminhou cópias das fichas de movimentação de apenas 11 militares.

Um dos 11 é o hoje general Jose Antonio Nogueira Belham, acusado na ação sobre homicídio e ocultação de cadáver do ex-deputado Rubens Paiva.

Sua ficha de movimentação, que vai da presença na Academia Militar das Agulhas Negras, na década de 1950, até a transferência para a reserva, na de 1990, tem uma mísera página. E nenhuma informação sobre sua passagem por órgãos-chave na repressão e extermínio de adversários da ditadura, como Codi (Centro de Operações de Defesa Interna), Doi (Destacamento de Operações de Informações) e CIE (Centro de Informações do Exército).

O que o comando do Exército não informou consta, porém, da caudalosa folha de alterações que o general Belham apresentou à Comissão Nacional da Verdade. Ela documenta sua atuação no Codi e no Doi do antigo I Exército, com sede no Rio. Em um trecho, há referência à sua condição, como major, de comandante do Doi.

O papel cedido pelo Exército tem uma informação que esconde a ocupação do major Belham em 1970 e 1971. Diz que ele estava lotado no QG do I Exército. ''A informação não é apenas vaga'', escreveram os procuradores. ''É falsa, uma vez que o quartel-general do I Exército está localizado na av. Presidente Vargas, ao passo que o Doi-Codi do Rio de Janeiro funcionava na rua Barão de Mesquita, no bairro da Tijuca''.

A descoberta das funções de Belham no CIE aconteceu por acaso, com a apreensão da folha de alterações do coronel Paulo Malhães, morto neste ano. Ao deixar a seção de operações do CIE, Malhães fez um elogio escrito a Belham por suas ações naquela repartição.

A passagem de Belham por Doi, Codi e CIE é ''penalmente relevante'', enfatizaram os procuradores.

Para punir os criminosos que torturaram, mataram e ocultaram corpos durante a ditadura, os procuradores terão de reverter decisão do Supremo Tribunal Federal que por maioria considerou que a Lei de Anistia, de 1979, protege agentes do Estado que violaram direitos humanos.

Na mesma representação da semana passada, os procuradores pedem que o procurador-geral recorra à Justiça para anular o ato do general Enzo Peri determinando que nenhuma informação sobre o período 1964-1985 seja fornecida por qualquer unidade da Força. Todas têm de passar pelo comando, o general ordenou.

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