Discurso mostra que Marina considera religião ao definir políticas públicas
Mário Magalhães
Discurso da senadora Marina Silva pronunciado no plenário em 11 de março de 2002 se contrapôs à produção de alimentos transgênicos no Brasil e defendeu essa opinião citando também passagens bíblicas.
O discurso (leia aqui a transcrição do Senado) é contraditório com declaração da atual candidata a presidente feita na edição do ''Jornal Nacional'' de 27 de agosto passado (assista aqui).
Em resposta a afirmação de William Bonner, entrevistador ao lado de Patrícia Poeta, Marina disse:
''Há uma lenda de que eu sou contra os transgênicos. Mas isso não é verdade''.
No mesmo pronunciamento de 2002, a então senadora sustentou a oposição à introdução dos alimentos geneticamente modificados argumentando com ensinamentos da Bíblia. Depois de mencionar ''cinco referências bíblicas em que Deus é altamente zeloso com o meio ambiente'', Marina acrescentou:
''Em Gênesis 21,33, o próprio Patriarca Abraão, com mais de 80 anos, resolve plantar um bosque. Quem planta um bosque com quase 100 anos está pensando nas gerações futuras, que têm direito a um ambiente saudável. Era esse o significado simbólico do texto. No Êxodo 22,6, há determinação explícita no sentido de que quando alguém atear fogo a uma floresta ou bosque deverá pagar tudo aquilo que queimou. Talvez essa regra seja mais rigorosa do que as do Ibama. Com relação aos transgênicos, o livro Levíticos 22,9 expressa claramente que não se deve profanar a semente da vinha e que cada uma deve ser pura segundo a sua espécie''.
Em seguida, a senadora afirmou que ''tendo em vista o lado espiritual'', os argumentos pró-transgênicos não convenciam.
Próceres da campanha presidencial e aliados de Marina Silva têm reiterado que a religião da candidata evangélica não interfere na definição de suas políticas públicas.
O blog soube do discurso de Marina pela coluna de Fernando Molica no jornal ''O Dia'' (aqui).
De acordo com o jornalista, a senadora Marina discursou ao menos seis vezes contra os transgênicos. Um projeto de lei de sua autoria, datado de 1997, definido por ela mesma como ''moratória'', vetava por cinco anos ''plantio, comércio e consumo de organismos geneticamente modificados e produtos derivados, em todo o território nacional''. Acabou arquivado, em 1999.
Procurando na internet, encontrei um post contundente e mais amplo do ambientalista Dener Giovanini sobre as intervenções de Marina contra os transgênicos. Está em seu blog, ''Reflexões ambientais'' (aqui).
Em 1997 e 2002, Marina Silva era senadora eleita pelo PT do Acre. Hoje disputa o Planalto pelo PSB.
Por falta de conhecimentos, não tenho juízo formado sobre a controvérsia dos transgênicos.
Mas duas coisas estão claras:
1) talvez por esquecimento, Marina Silva, mesmo sem querer, permitiu que os espectadores supusessem que os entrevistadores Poeta e Bonner faltavam com a verdade ou padeciam de ignorância ao afirmar que ela se opusera aos transgênicos. Noutro momento da entrevista, a candidata disse a Poeta: ''Talvez você não conheça bem a minha trajetória''. Ao menos no que diz respeito aos transgênicos, os jornalistas mostraram saber mais do que a entrevistada sobre a trajetória dela própria;
2) o discurso de 2002 é eloquente: não procedem as versões de que Marina Silva não permite que a religião interfira nas políticas públicas que ela defende. Interfere, sim. Ou pelo menos interferia.
Para quem prega uma ''nova política'', há algo de estranho na negação de fatos documentados.