Ecos dos protestos de junho de 2013 turbinam Marina
Mário Magalhães
Ao chegar em casa tarde da noite, em 13 de junho do ano passado, comentei: “Isso tudo vai desaguar na Marina”.
“Isso tudo” era o imenso protesto com mais de 100 mil participantes que percorrera horas antes a avenida Rio Branco, aqui no Rio.
Não arrisquei prognóstico ou análise mais ambiciosa, entre outros motivos porque a conjuntura era nebulosa. Pitaquei: na babel de vozes daquela segunda-feira, o maior alvo havia sido o governador (“Ei, Cabral, vai tomar…”); e a grande novidade, a palavra de ordem “Sem partido, sem partido”.
Como a ex-senadora, ex-ministra de Lula e ex-petista Marina Silva organizava uma nova agremiação, que negava ser mais um partido, o espírito contra tudo e contra todos da manifestação poderia respaldar uma candidatura apresentada como “diferente” na eleição de 2014.
De lá para cá, a Rede Sustentabilidade marineira foi barrada pela Justiça Eleitoral (publiquei o post “Registro da Rede é direito democrático de milhões de eleitores de Marina”). Num lance perspicaz e surpreendente, ela se aliou _e se filiou_ ao PSB e topou concorrer a vice na chapa de Eduardo Campos. Com a morte do ex-governador de Pernambuco, tornou-se candidata presidencial.
Deu na pesquisa divulgada ontem pelo Ibope: Dilma Rousseff (PT) lidera com 34%, seguida por Marina (PSB), 29%, e Aécio Neves (PSDB), 19%. Se o segundo-turno fosse hoje, Marina derrotaria Dilma por acachapantes 45% a 36%.
Marina já amealhara perto de 20% dos sufrágios em 2010. A comoção provocada pela morte do neto de Miguel Arraes contribui para o cenário atual mais promissor. É inegável, contudo, que os ecos de 2013 impulsionam sua campanha. Parte da multidão que foi às ruas e dos milhões que ficaram em casa torcendo pelos manifestantes julga ter encontrado seu candidato.
Junho de 2013 reuniu da extrema-direita à extrema-esquerda. Inexistiu uma agenda comum. Nem mesmo a reivindicação de barrar o aumento das passagens dos transportes públicos foi determinante em numerosas cidades, onde a mobilização eclodiu depois de a Polícia Militar de São Paulo surrar manifestantes. Mas havia um sentimento comum, de “mudança” e de busca do “novo”, por mais difuso que esses valores sejam.
Marina é mesmo o “novo”?
É esse sentimento que Marina Silva pretende encarnar que a transforma hoje em favorita. A questão é se, em outubro, os eleitores continuarão achando que a candidata expressa a “mudança” e o “novo”.
Esse é o conteúdo que está em disputa, e o marqueteiro João Santana, de Dilma Rousseff, sabe bem disso. Antes mesmo da veiculação dos números do Ibope, ele gravou mensagem de Lula que foi ao ar no horário eleitoral noturno desta terça-feira na TV. Sem citar Marina, o ex-presidente sugeriu que sua antiga ministra não constitui o “novo”, que seria representado pela governante há quase quatro anos no cargo.
No debate da Band encerrado na madrugada de hoje, Luciana Genro (PSOL), em seu pior desempenho televisivo em muito tempo, empregou tom semelhante: Marina não é o “novo” autêntico _e na essência programática, afirmou a ex-deputada, se parece demais com Dilma e Aécio.
Agora, o eleitorado quer o “novo”, mas a rigor ignora o que Marina propõe para o Brasil. Para muita gente, ela desfralda a bandeira da mudança, mas não se sabe qual mudança.
Aécio é o candidato preferido do agronegócio. Nos governos Lula e Dilma, a agricultura e a pecuária bateram recordes de produção, recordes de faturamento e recordes de lucro _portanto, o PT no Planalto não foi um adversário do agronegócio.
E Marina? A ambientalista aceitou como seu vice o deputado Beto Albuquerque (PSB), que mantém vínculos com o agronegócio, inclusive o que produz alimentos transgênicos. Isso é o “novo”?
Dilma e Aécio não defendem a mudança da legislação restritiva ao direito de aborto (não se trata de ser contra ou a favor “do aborto”, mas do direito de interromper a gravidez com garantias de saúde). A legislação atrasada todo ano provoca a morte de milhares de brasileiras pobres, que não contam com a rede pública para fazer o que as de classe média para cima fazem em clínicas privadas clandestinas.
Pois Marina também é contra o direito ao aborto. “Novo”?
E o casamento entre pessoas do mesmo sexo? Marina reitera suas restrições. Sem novidades.
E em relação à obscena desigualdade social do Brasil? Entre os principais conselheiros da candidata estão uma banqueira, um empresário de grande porte e um economista com identidades com o PSDB. Tudo legítimo, assim funciona a democracia. Mas é por esse caminho que haverá “mudança” digna do nome no maior drama brasileiro, a desigualdade?
A cura de muitas doenças degenerativas teria mais chances com pesquisa com células-tronco embrionárias. Os testes com essas células podem levar a descobertas que salvem vidas.
Marina? É contra, em virtude de suas convicções religiosas. Qual “novo”?
Aécio Neves olha para trás, anunciando Armínio Fraga como futuro ministro em eventual governo tucano. Nada de “novo”.
Dilma Rousseff dá a entender que manterá a política econômica que não confronta com mais vigor a desigualdade, ainda mais com os recentes aumentos da taxa de juros que transfere bilhões para os ricos. Descarta o ''novo''.
A agenda de Marina é sintetizada numa frase pronunciada por ela no debate da Band: “O problema do Brasil não é a sua elite, mas a falta de elite”. Se isso é o “novo”, então tá.
O cenário só seria melhor para Marina se sua ascensão tivesse ocorrido mais em cima da eleição.
Há semanas pela frente para ela ser atacada, e é o que farão agora Dilma e Aécio.
Mas Marina também tem semanas para crescer mais ainda, se a maioria dos brasileiros considerá-la o novo procurado desde junho de 2013.