A ressurreição dos castelhanos
Mário Magalhães
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Mal o juiz trilou o apito ao final da vitória da Costa Rica sobre o Uruguai por 3 a 1, na primeira rodada, sobrevieram obituários, redigidos às pressas, da bicampeã de Copas e bicampeã do futebol olímpico.
Embora faltassem duas partidas, a derrota havia sido para a equipe tida como café-com-leite na temível chave D, cantada como o grupo da morte. Afinal, as outras duas seleções são as tradicionais Itália e Inglaterra, que jogaram muito bem na estreia.
A considerar o noticiário fúnebre precipitado, em seguida ao fiasco inaugural, o que ocorreu nesta quinta-feira na Arena Corinthians foi a ressurreição dos uruguaios, na batalha renhida em que sobrepujaram os ingleses por 2 a 1.
O Uruguai venceu porque teve Luis Suárez, de volta depois de uma cirurgia de joelho às vésperas da competição.
Já a Inglaterra contou com Rooney. A despeito de driblar a maldição que o impedia de fazer gol em Copa _ontem anotou um, em seu terceiro Mundial_, ele desperdiçou chances decisivas.
Com garra de charrua, os uruguaios superaram suas limitações técnicas. Se em Suárez e Cavani sobra intimidade com a bola, Arévalo Ríos se impõe com o coração.
Eles são exemplares de uma gente que desde sempre luta contra obituários precoces.
É um povo que peleia, que não se submete ao mais forte, que parece preferir a adversidade a prevalecer na covardia. Ao levar uma joelhada no rosto, e o médico ordenar sua substituição, o bravo Álvaro Pereira negou-se a sair e prosseguiu valente na luta.
Menino do Rio, na virada dos nove para os dez anos de idade eu me mudei para as bandas do Sul, a pouco mais de uma hora da fronteira com o Uruguai.
No começo, tinha dificuldade para entender algumas palavras e chegava a pensar que os gaudérios tropeçavam no idioma. Logo percebi que o ignorante era eu: ali se incorporara o glossário dos castelhanos, como os uruguaios eram e ainda hoje são chamados.
Um dia acertei a canela de um guri numa pelada, e ele prometeu: ''Vou me desquitar''.
À época, ainda inexistia direito ao divórcio no Brasil, havia a instituição legal do desquite. Mas eu não me confundi. Entendi muito bem o que ele quis dizer, e tratei de me cuidar nas divididas.
Mais tarde, consultei o pai dos burros e confirmei que ''desquitarse'', em espanhol, significa o que eu supusera: vingar-se.
Para aqueles lados, não se leva desaforo pra casa.
É o que se viu ontem: o Uruguai se desquitou dos anúncios fúnebres que o davam como abotoado.
Rooney fez um, mas perdeu dois: com um pé, cara a cara; e com a cabeça, quase na linha do gol, acertando a trave.
Suárez abriu o placar e, quando se imaginava que a partida terminaria em 1 a 1, marcou o segundo no fim, gerando a celebração de jogadores mais comovente na Copa até aqui.
Partidaço, com o triunfo épico daqueles que atavicamente se recusam a morrer de véspera.