Blog do Mario Magalhaes

Fãs de Cristiano Ronaldo xingam, intimidam e ameaçam jornalista

Mário Magalhães

( O blog está no Facebook e no Twitter )

‘Podem me prender

Podem me bater

Podem até deixar-me sem comer

Que eu não mudo de opinião’

Lembrei-me dos versos de Zé Keti, cantados por Nara Leão e Maria Bethania no alvorecer da ditadura pós-1964, ao me transformar em alvo de uma ofensiva intolerante de fãs do jogador de futebol Cristiano Ronaldo.

O que ocorre desde ontem não é o salutar confronto de opiniões, por mais estridente que possa ser a controvérsia, mas um movimento com o propósito de impedir a livre expressão de ideias.

Assim que terminou a goleada da Alemanha sobre Portugal por 4 a 0, publiquei aqui no blog o artigo “O jogador mais nojento do mundo”.

Na página do blog no Facebook e na conta do blogueiro no Twitter, sobrevieram xingamentos, intimidações e ameaças. Os exemplos relatados abaixo foram colhidos até as 23h desta segunda-feira (horário de Brasília). A pancadaria prosseguiu de madrugada e parece longe de cessar.

Seria mais cômodo calar sobre a investida e tocar a vida, ou a Copa, postando meus pitacos sobre as partidas que tanto têm me encantado.

Mas o que está em jogo não é a mera interpretação da idolatria e suas manifestações febris, mas o direito de divergir e expor a divergência. Se deixasse para lá, eu seria complacente com o ódio.

Com minhas desculpas pela deselegância da reprodução literal, eis alguns insultos que retratam o tom virulento e preconceituoso (e certas fixações, não é, caro Sigmund?): “fdp”; “vai tomar bem no cu”; “vai tomar no cu seu blogayro de merda”; “filho da puta”; “fdp que dá o cu”; “seu merda”; “cara, vai dar o cu, que é a tua praia”; “vai tomar no cu”; “pau no cu”; “viado”; “filha da puta”; “enfia uma rola no teu cu”; “viado vagabundo”; “idiota chupador de rola do Messi”.

Os palavrões são o de menos, até porque eles ecoam o caldo cultural das arquibancadas.

O mesmo não digo das numerosas ofensas a três gerações de moças da minha família. Primeiro, pela estupidez de mirar em quem não participa da desinteligência. Segundo, pela cafajestada de fustigar, com baixarias, mulheres. Terceiro, pela covardia dos valentões de internet, esses pusilânimes cuja coragem termina no teclado do computador.

As ameaças de castigo corporal e eliminação física são graves: “se me cruzo contigo na rua, fodo-te”; “morrrrrrre, filho da puta”; “isso não vai ficar assim!”; “você me diz onde você tá que eu vou aí meter uma bala na sua cara”.

Ou seja, quem não compartilha de determinadas convicções mereceria a morte. Já vimos esse filme antes.

Eis a síntese do empenho em sufocar uma voz dissonante: “tamo denunciando sua página” (ao Facebook, com o intuito de retirá-la do ar); “você deveria ser banido de qualquer rede social”.

O banimento de quem discorda também não constituiu aspiração ou pena historicamente nova.

A xenofobia ressurge aguçada. Acusam brasileiros radicados na Europa disso e daquilo. Recorrem à bravata do falecido ditador António de Oliveira Salazar: quem apresenta restrições a um português _antigamente, ao déspota de plantão_ desrespeita Portugal.

Se for assim, o país que este neto de português mais fere é o Brasil, considerando o que já escrevi sobre senhores como Ricardo Teixeira, Fernando Collor, Vanderlei Luxemburgo e Carlos Alberto Brilhante Ustra.

A esmagadora maioria das centenas de ofensas tem brasileiros como remetentes. Nem as viúvas da ditadura 1964-1985 foram tão truculentas, por mais que reajam com energia ao que costumo postar no blog.

Respeito quem pensa diferente, como os que afirmam “cara mais humilde que o CR7 não tem” e o elogiam como “um ser tão humilde”. Questão de opinião.

O inaceitável é censurar, sobretudo com ameaças fascistoides, quem cultiva outros valores. Para mim, Cristiano Ronaldo é pior do que o ególatra que adota o mantra “eu ganho, nós perdemos”. Entendo seus pronunciamentos com o sentido de “eu ganho, eles [os outros jogadores dos seus times] perdem”.

Ao marcar um gol decisivo para a seleção portuguesa vir à Copa de 2014, ele gritou “Eu estou aqui”. É prerrogativa sua agir publicamente assim, com individualismo exacerbado. Bem como é direito alheio emitir juízo público sobre tal comportamento narcísico.

O CR7 simboliza no esporte o cada um por si, sem um rasgo de solidariedade. Como anotei no post da discórdia, “ele subverte a nobre ideia do futebol como pacto coletivo”. Sua atitude estimula a de muitos cidadãos.

Cristiano Ronaldo encarna um egoísmo com o qual eu não me identifico. Por isso tenho o direito de considerar nojento o atacante, conforme duas acepções do dicionário “Houaiss”: 1) “que provoca nojo, repugnância”; 2) “que se julga o maior, metido a besta; seboso, convencido, mascarado”.

Posso estar certo ou errado, isso vai da cabeça de cada um. Mas a veneração quase religiosa por um ídolo não confere o direito de interditar a divergência, por mais contundente que ela seja.

Imagina se um maluco avesso ao CR7 e partidário do pensamento único saísse por aí intimidando e ameaçando os torcedores que têm o jogador como exemplo de alma generosa…

Folgo em informar aos neocensores que a ditadura acabou há muito tempo tanto no Brasil (1985) quanto em Portugal (1974). A censura ao jornalismo foi extinta, e a liberdade de expressão e de opinião se consagrou como conquista democrática e direito constitucional.

Vários posts da página do blog no Facebook, sobre outros assuntos, foram infestados por comentários de ódio, que trocam ideias por desqualificação _manjado expediente de quem esgrima argumentos frágeis. Tenho a possibilidade de eliminá-los, mas não retirei nenhum deles, por reverência à democracia e para denunciar a intolerância.

Mais do que lembrança, a música do grande Zé Keti é inspiração: “Podem me prender, podem me bater…”.