Análise: Espanha padece de piripaque físico, técnico, tático e moral
Mário Magalhães
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Antes de tudo, o óbvio: o talento do consagrado trio Van Persie, Robben e Sneijder é assombroso, mas não joga sozinho _o desfalcado e renovado time da Holanda exibe a velha tradição de intimidade com a bola. E de inteligência tática, conduzido pelo brilhante e genioso técnico Louis van Gaal.
A variação da marcação intensa da saída de bola adversária com a retração para explorar contra-ataques foi espetacular na grandiosa goleada de 5 a 1 nesta sexta-feira na Fonte Nova. Assim como a mudança do plano A (esperar atrás) para o B (o velho controle da pelota), de acordo com o interesse do momento. Um case, deveria ser estudado. Humilhação antológica do atual campeão pelo vice batido há quatro anos.
A seleção de Del Bosque não despencou hoje, de repente. A decadência vem de antes. Talvez seja possível revertê-la ainda neste Mundial, mas será preciso mudar muita coisa, ainda que o treinador não mexa tanto na escalação.
O problema fundamental não é o envelhecimento de idade, embora o Xavi de 34 anos não seja o mesmo de 30, e o tempo também castigue companheiros seus.
O cansaço combina dois fatores:
1) a presença de dois clubes espanhóis na final da Champions League. Dos que começaram hoje, o Atlético de Madrid teve um jogador em campo naquela decisão, Diego Costa, agora visivelmente fora de forma, sobretudo em virtude de contusão que demora a sarar. Do Real Madrid, atuaram Casillas e Ramos, que disputaram a Champions até o fim, mais Alonso, fora da finalíssima da competição europeia devido a suspensão;
2) a exaustão dos jogadores do Barcelona (cinco iniciaram na Bahia). Mesmo afastado precocemente da Champions, a equipe da Catalunha batalhou sofregamente até a última rodada da Liga Espanhola, em busca do título que não veio.
A Espanha é um time fisicamente cansado.
A fadiga atinge a técnica. Xavi e Iniesta, as almas do campeão em 2010, estiveram hoje longe dos velhos tempos, a despeito de alguns lançamentos soberbos. O que já ocorrera na decisão da Copa das Confederações, quando foram atropelados pelo Brasil. Outros também estiveram tecnicamente mal, como os zagueiros Ramos e Piqué, e os atacantes Diego Costa e Torres, que entrou mais tarde e perdeu gol feito.
Taticamente, a maior fragilidade espanhola foi a exposição insana da zaga aos rapidíssimos holandeses. Na lateral-direita, Azpilicueta fracassou à frente, onde pouco fez, e muito mais atrás, oferecendo espaços para cruzamentos que renderam gols.
Os volantes Alonso e Busquets, titulares na África do Sul, foram pouco efetivos, além de não terem apoio maior de Xavi e Iniesta.
Em vez de abrir David Silva na direita, ampliando os espaços no ataque, Del Bosque deixou-o, no primeiro tempo, preferencialmente pela esquerda, embolando com Iniesta.
A lentidão no toque tornou previsível o fabuloso estilo espanhol, copiado do Barcelona, onde foi introduzido por holandeses.
Taticamente, ficou mais fácil marcar a lerda Espanha.
O time perdeu como na estreia de 2010, porém há três diferenças.
a) hoje o adversário foi mais forte, a Holanda, e não a Suíça;
b) o placar foi muitíssimo maior que o 1 a 0;
c) na primeira partida da Copa passada, a Espanha criou chances sem fim, o que não se repetiu agora.
Moralmente, as campeões estão abalados, grogues, humilhados.
Quatro anos atrás, sucumbiram diante dos suíços, mas sabiam que eram superiores e que tinham, no auge, sua melhor geração da história. Eram os campeões europeus. Deram a volta por cima.
Mas, em 2014, vêm de um chocolate brasileiro, no ano anterior, que abalou a confiança, apesar do bi na Euro em 2012.
As derrotas do Barcelona criaram dúvidas sobre a longevidade do estilo.
Moralmente, a Espanha tem dificuldade para entrar e impor seu jogo de posse de bola.
Hoje teve a sorte de sair na frente, num gol em que o catalão Xavi lançou, o brasileiro Diego Costa sofreu pênalti (para mim, foi), e o basco Alonso converteu.
Aos 42 min do primeiro tempo, Silva poderia ter feito 2 a 0, mas desperdiçou. A Holanda marcou em seguida, virou com empate de 1 a 1 e deu um show na segunda etapa.
Del Bosque tem muitas opções.
Casillas fez lambança em um gol, mas tem de ser titular.
Na zaga, os dois foram mal, porém Ramos é melhor que Piqué, que poderia sair para a entrada de Martínez.
Se estiver inteiro, Juanfran merece substituir Azpilicueta na lateral-direita.
Xavi ou Xabi deveria ir para o banco, permitindo o ingresso de Koke ou, no lugar somente do primeiro, Fàbregas.
Para as vagas de Silva e Diego Costa, estão aí Pedro e Fàbregas. Talvez venha Torres, sombra do que foi um dia.
Van Persie fez dois, como Robben, e De Vrij marcou o outro. Sneijder esteve ótimo, e surpreendeu aqueles (como eu) que não davam muito por ele, no ocaso da carreira. O lateral-esquerdo Blind foi decisivo com seus lançamentos (o Flamengo poderia procurá-lo para o posto do André Santos…).
A Espanha terá de vencer a Austrália e, mais difícil, o Chile. Acabaria, provavelmente, em segundo, pegando o primeiro colocado do grupo A, o Brasil.
Se repetir o cansaço de hoje e não superar o abatimento, nem isso conseguirá.
Parece que não se passaram quatro anos, e sim 40. Terá sido a falta da camisa roja?
Del Bosque não é burro, pelo contrário. Mas terá de ter coragem de barrar quem já deu muito pela seleção que tanto orgulha o futebol mundial.