Editorial da ‘Folha’: ‘Padrão Fifa?’
Mário Magalhães
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Editorial da ''Folha de S. Paulo'' nesta terça-feira, na íntegra:
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Padrão Fifa?
Salta aos olhos o descompasso. Ao custo de R$ 1 bilhão, construiu-se um moderníssimo estádio em Itaquera, região da cidade de São Paulo que conta com serviços públicos notoriamente deficientes.
Há discrepâncias similares em muitas das 12 cidades-sede da Copa do Mundo, cuja abertura se dará nesta quinta-feira na nova arena paulistana. Diante disso, surgiu uma espirituosa metáfora para as diversas reivindicações populares.
Desde as manifestações de junho passado, demandas por investimentos em setores como saúde, educação e transporte foram sintetizadas na expressão ''padrão Fifa'', espécie de selo de qualidade.
Enquanto blague, vá lá. Em ao menos uma bandeira das ruas –o combate à corrupção–, contudo, a entidade máxima do futebol parece se afastar dos níveis de excelência para se aproximar das piores práticas da política brasileira.
No mais recente episódio, o jornal britânico ''The Sunday Times'' revelou que um influente ex-dirigente de futebol do Qatar teria gasto o equivalente a R$ 11,1 milhões para comprar apoio à candidatura de seu país como sede da Copa de 2022 –campanha afinal vitoriosa.
O tema deve entrar na pauta do 64º Congresso da Fifa, que começa hoje em São Paulo. Realizado anualmente, costuma abrigar apenas debates sobre regras e prestação de contas, mas cresce a pressão, inclusive de patrocinadores, para que o escândalo do Qatar seja discutido a fundo.
Se a Fifa não mudar seu padrão ao lidar com casos de corrupção, entretanto, pouco será feito.
Lembre-se, por exemplo, de que ''terminaram em pizza'' as comprovadas denúncias de que os brasileiros João Havelange, ex-presidente da entidade, e Ricardo Teixeira, então mandatário da CBF, receberam propinas de ao menos R$ 45 milhões em negociatas relativas aos direitos de transmissão de Mundiais.
Mesmo com tal mácula, a Fifa nem sequer discutiu suspender o pagamento de aposentadorias aos dois cartolas; tampouco exigiu a devolução integral dos valores recebidos, contrariando o relatório do comitê de ética interno.
Como se questões extracampo não fossem suficientes, levantam-se dúvidas sobre a capacidade da entidade de evitar a manipulação de resultados em jogos. Segundo reportagem do ''The New York Times'', até hoje pairam suspeitas sobre pelo menos cinco partidas da Copa de 2010, na África do Sul.
Essas práticas, com efeito, nem de longe correspondem aos justos anseios por melhorias que o ''padrão Fifa'' passou a representar.
A ironia brasileira conseguiu, assim, dar um drible na semiótica: falta a esse símbolo qualquer adequação ao significado que lhe foi atribuído. Trata-se, neste caso, de um equívoco nacional que os dirigentes da Fifa, tão acrimoniosos quanto aos atrasos do país para o Mundial, preferiram não apontar.